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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ômicron desmente falácia de Bolsonaro contra governadores e prefeitos

YouTube removeu 12 vídeos que mostram Jair Bolsonaro falando sobre cloroquina e ivermectina - Imagem: Facebook/Reprodução
YouTube removeu 12 vídeos que mostram Jair Bolsonaro falando sobre cloroquina e ivermectina Imagem: Imagem: Facebook/Reprodução

Colunista do UOL

12/01/2022 16h08

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Durante os dois primeiros anos da pandemia, Jair Bolsonaro insistiu que o Brasil não parou por culpa da agressividade do coronavírus, mas por governadores e prefeitos desejarem impor quarentenas e lockdowns que, na sua opinião, foram inúteis. Agora, a variante ômicron, que vem afastando empregados e prejudicando negócios, desmente a falácia do presidente.

Tivemos que ouvir um repetido mimimi de que os brasileiros não estavam indo trabalhar, estudar, comprar ou se divertir porque governadores e prefeitos "malvados" impediram que isso acontecesse. Considerando a covid-19 como uma "gripezinha" e defendendo que "a morte é o destino de todo mundo", Bolsonaro empurrou os brasileiros às ruas. Temia que uma baixa no crescimento do PIB prejudicasse suas chances de reeleição.

Diante de um governo federal que não queria adotar medidas de isolamento social preconizadas por cientistas e associações médicas e pela Organização Mundial da Saúde, Estados e municípios tomaram a iniciativa para evitar uma tragédia ainda maior frente à escalada no número de casos e de mortes. Foram importantes para salvar vidas, mesmo que as ações de sabotagem do isolamento pelo presidente da República tenham estendido indevidamente a pandemia por reduzirem a eficácia das quarentenas.

Mas caso não fossem tomadas, escritórios, comércios e escolas simplesmente começariam a fechar as portas porque vendedores, seguranças, faxineiros, gerentes, porteiros, professores e outros trabalhadores faltariam ao serviço ao serem derrubados pelo coronavírus. Ou seja, Estados e municípios escolheram interromper e, depois, regular o funcionamento de atividades para evitar que a doença fizesse isso por conta própria.

Com o natural esgotamento decorrente de dois anos de pandemia e a percepção de que a ômicron é menos letal que as demais variantes, a população baixou a guarda. Mas como a variante tem uma taxa de infecção muito maior que as das que a antecederam, espalhou-se rapidamente. E apesar de ostentar uma taxa menor de letalidade, continua sendo covid, ou seja, pode deixar as pessoas baqueadas e as afasta do serviço. Milhares têm ficado de cama ou ido ao hospital.

As consequências disso são gritantes. Filas com horas de duração estão se formando em aeroportos pelo país após o cancelamento de voos da Azul e da Latam. As companhias aéreas sofrem com falta de empregados, afastados após ficarem doentes por covid-19 ou influenza.

Outro exemplo foi o pedido da Ablos, associação que reúne mais de 100 lojistas, entre eles TNG, Gregory e Khelf, para que os shopping centers reduzam seu horário de funcionamento durante algumas semanas. A justificativa, segundo explicação do presidente da entidade à Folha de S.Paulo, é tentar se adequar à falta de funcionários, que ficaram doentes.

A Associação Nacional dos Restaurantes indicou que mais de 85% de suas empresas estão com pessoal afastado por motivo médico - destas, um em cada cinco está fora de ação por conta das doenças neste início de ano. Situação parecida foi informada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, que está com 20% de sua força de trabalho afastada em meio ao surto de ômicron e de influenza H3N2.

Em nossa mais importante guerra, o capitão que nos governa abraçou o inimigo, o coronavírus, defendendo que a melhor forma de pará-lo seria deixando que ganhasse. Ainda hoje, repete a mesma ideia. Afirmou, nesta quarta (12), que o que está salvando o Brasil é a chamada "imunidade de rebanho", ou seja, deixar as pessoas contraírem anticorpos pelo contágio, o que não funciona com a profusão de variantes da covid-19 e leva a mais mortes e mais danos à economia.

E o coronavírus, de fato, ganhou, pois não é possível dizer que estamos vencendo uma guerra em que 500 mil das 620 mil baixas poderiam ter sido evitadas, estimativa do epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas.

Enquanto diminui a mortalidade devido ao avanço da vacinação, sobem a fome e a inflação - a alta dos últimos 12 meses foi de 10,06%, segundo o IBGE. O presidente afirma que a culpa por isso é dos que defenderam o isolamento para combater a pandemia. Mentira. Caso não tivesse atacado sistematicamente essas medidas e, ao mesmo tempo, combatido o uso de máscaras e fechado contratos de compra de vacinas ainda no ano passado, a pandemia seria mais curta e a economia teria voltado a um (quase) normal muito antes, com menos mortos e menos desemprego.

Bolsonaro também permitiu ainda que a morte se tornasse um bom negócio para civis e militares que atuaram para tentar tirar um cascalho dos cofres públicos ao se envolverem em superfaturamento de vacinas e outros insumos para a pandemia. Isso sem contar dos hospitais que receberam mas tratavam seus pacientes com remédios inúteis para a doença para economizar o uso de máquinas e leitos de UTI.

Como já disse aqui, a cada notícia ruim de seu governo, Bolsonaro vem a público praticar seu esporte preferido, o Arremesse de Responsabilidade à Distância. Para ele, a culpa de tudo é de Estados e municípios, da imprensa, da China, de atores de hollywood. Todo mundo, menos ele.