Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Corrupção? Inflação alta? Quando a coisa fica feia, Bolsonaro ataca o TSE

Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata em São Paulo - Roberto Costa/Código19/Estadão Conteúdo
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata em São Paulo Imagem: Roberto Costa/Código19/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

16/04/2022 09h52

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Após denúncias de corrupção em compras públicas de ônibus e Viagra, após o governo esconder que pastores que cobravam propina em ouro visitaram 35 vezes o Palácio do Planalto, após a inflação das famílias mais pobres ter aumentado 12% nos últimos 12 meses, Bolsonaro fez uma micareta eleitoral, nesta sexta (15), e mais uma vez culpou o TSE pelas desgraças do Brasil. Pode-se acusar Jair Bolsonaro de muita coisa, menos de ser uma pessoa criativa.

Desde que assumiu a presidência da República, ele vem atacando instituições responsáveis pela fiscalização do cumprimento das leis. Aquelas que estão sob o seu comando foram sequestradas, como setores da Polícia Federal e do Ibama. Em outros casos, houve parceria, como a Procuradoria-Geral da República e a Câmara dos Deputados. E quando não há acordo, ele vai para cima, como é o caso do STF e do TSE.

No caso da Justiça Eleitoral, Bolsonaro demonizou a urna eletrônica preparando uma justificativa para contestar os resultados em caso de derrota em outubro. E atua sistematicamente para reduzir a credibilidade da corte, que ficará responsável por julgar os excessos que ele comete em sua caminhada pela reeleição.

Com o tempo, o Tribunal Superior Eleitoral foi sendo usado por ele como muleta para terceirizar suas responsabilidades, tal como ele fez com o STF na pandemia - lembram daquela cascata de que a corte o proibiu de agir durante a covid-19, que deveria ser combatida apenas por Estados e municípios?

No mês passado, o TSE fugiu de uma armadilha armada por Jair Bolsonaro ao decidir não analisar uma consulta enviada pela Advocacia-Geral da União. O governo queria que a corte respondesse se a redução de impostos em ano eleitoral seria crime eleitoral. E, dessa forma, poder se defender sobre a alta dos combustíveis, que afeta a intenção de voto do presidente.

O relator do caso, ministro Carlos Horbach, considerou que a consulta estava tão abstrata e vaga que poderia ser usada para qualquer coisa. Um "cheque em branco", um "salvo conduto absolutamente genérico", como ponderaram outros ministros. Se tivessem se pronunciado sobre o assunto, Bolsonaro poderia usar a decisão ou para dizer que a culpa da gasolina pela hora da morte seria do TSE, que não o deixou reduzir o preço, ou que os magistrados deram a ele liberdade para que adotasse ações de caráter eleitoreiro.

Desta vez, o presidente, que se beneficiou dos disparos em massa via WhatsApp nas eleições de 2018, e que adoraria repetir a dose agora, atacou o mesmo TSE, nesta sexta (15), por um acordo fechado entre o tribunal e a plataforma. Através dele, uma nova ferramenta que permite envio para milhares de pessoas ao mesmo tempo estreará no Brasil apenas depois do segundo turno a fim de evitar propagação de desinformação.

Jair chamou o acordo de "inadmissível, inaceitável", de "censura, discriminação", e que ele "não vai ser cumprido". Afirmou à plateia que "ninguém tira o direito de vocês", usando aquele manjado discurso de que ele coloca a liberdade de expressão está acima da própria vida e blá-blá-blá.

Claro que o "direito" que ele defendeu era o dele mesmo contar mentiras livremente nas eleições, mas é tática do presidente fazer parecer que uma necessidade do bolsonarismo é, na verdade, a necessidade de toda população. Autocratas fazem isso muito bem.

Não é à toa que, quando precisa de uma boa cortina de fumaça, também utilize o tribunal. Afinal, Combater as ações de um "demônio" que ameaça a liberdade, o TSE, é mais importante aos seguidores de Bolsonaro do que apurar denúncias sobre roubo de dinheiro público e tratar da incapacidade do "mito" de administrar a economia de forma que os preços não disparem.

Como venho dizendo neste espaço há mais de três anos, o presidente avança sobre a Constituição em aproximações sucessivas. Por mais que o centrão tenha colocado rodinhas aqui e ali para evitar que ele caísse de cara no chão e os levasse junto, Bolsonaro continua incitando os seus e demonstrando que não aceitará pacificamente uma derrota. Esta sexta foi mais uma mordida na democracia. No ritmo que vai, pode ser que não sobre muita coisa até o final do ano.