Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro não quer trabalhar, mas fazer propaganda de que está trabalhando

Reprodução/Twitter.
Imagem: Reprodução/Twitter.

Colunista do UOL

04/07/2022 11h27

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O governo Jair Bolsonaro aumentou em 75% o gasto com publicidade na TV Globo, de janeiro a junho, após anos atacando e ameaçando a emissora. Caiu a ficha de que mais vale anunciar em um local com audiência mesmo crítico a ele do que em vários lugares que o elogiam, mas têm alcance mais baixo.

Levantamento do UOL, publicado nesta segunda (4), em reportagem de Hanrrikson de Andrade, aponta que enquanto desabou o numero de anúncios do governo voltados à "utilidade pública" (como informações sobre serviços públicos e campanhas de saúde), disparou a de peças voltadas à propaganda institucional. Ou seja, contar ao eleitor o trabalho do presidente.

Mas aí reside o problema: que trabalho do presidente?

Bolsonaro nunca apresentou um programa de geração de empregos formais de qualidade, apenas simulacros baseados na precarização da saúde e segurança dos trabalhadores. Não adotou um plano nacional para combater o coronavírus, mas sabotou as medidas calcadas na ciência. Não tem nenhuma grande marca, nenhuma grande obra nacional para chamar de sua, e por isso vai renomeando ações iniciadas em outros governos. Não teve planejamento nem para o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, mas incorporou a proposta da oposição após ver que não subia nas pesquisas.

Ou seja, inserções publicitárias do governo acabam concorrendo com as produções do núcleo de teledramaturgia da Globo por serem material ficcional ancorado, de forma distante, na realidade.

Por exemplo, quando Bolsonaro fala que é pai do auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia, não conta ao cidadão que o ministro Paulo Guedes queria pagar R$ 200, mas o Congresso achou isso um absurdo e forçou um aumento no valor.

A inserção de anúncios para convencer a população de que Bolsonaro é trabalhador se faz especialmente necessário após o presidente produzir farto conjunto probatório contra si mesmo. Nele, ele nos mostrou, ao longo dos anos, que nem sempre está trabalhando na hora do expediente, mas tocando motociatas eleitorais, fazendo comícios, curtindo motos aquáticas, viajando de férias para a praia, indo a jogos de futebol, andando em carros de corrida.

Brasileiros dentro d'água no Sul da Bahia? Bolsonaro dentro d'água em Santa Catarina!

Tendo produzido vídeos e imagens se divertindo para reforçar o marketing do tipo "gente como a gente" (apesar do brasileiro não ter dinheiro para a passagem do busão, que dirá jet ski), Bolsonaro gerou matéria-prima para opositores afirmarem que ele "enforca dias úteis para lazer", ignorando "fome, desemprego, desabastecimento, inflação e carestia", como fez o ex-presidente Lula.

No 4 de junho, a coluna Radar, da revista Veja, afirmou que pesquisas encomendadas por aliados de Jair Bolsonaro apontaram que o rótulo de "preguiçoso" e de pessoa pouco afeita ao trabalho já pegou nele, o que preocupou seus assessores.

reportagem da Folha de S.Paulo, de 29 de maio, apontou que Bolsonaro teve 48 dias úteis sem nenhum compromisso oficial segundo sua agenda pública, descontados os dias em que passou internado. E, em outros 69 dias, ele teria começado a trabalhar só depois do meio dia.

Desconsiderando as fugas do trabalho em dias de expediente, por exemplo, para fazer motociatas, cavalgadas e afins, Bolsonaro deixou Brasília 15 vezes para curtir folgas e feriadões nos litorais de São Paulo, Santa Catarina e Bahia, desde que assumiu o governo. No mesmo período de seus primeiros mandatos, Lula folgou três vezes e Dilma, sete.

O fato de que o presidente parece não gostar de trabalhar gera um incômodo grande no campo conservador, que gosta de crítica o que chamam de "vagabundagem". Pecha que, ironicamente, uma parte dos seguidores do presidente lançou sistematicamente contra petistas, sindicalistas, movimentos sociais e a esquerda em geral.

Claro que propaganda na Globo ajuda a mudar percepções. Mas quando a realidade bate diariamente à porta dos trabalhadores, com uma inflação de 12%, uma fome de 33,1 milhões e uma queda na renda de quase 10% em relação ao início da pandemia, ficção não faz milagre.

Nem se Juma e Juventino se atracassem em uma lagoa paradisíaca no Pantanal, trocando juras de amor a Bolsonaro, enquanto o Velho do Rio aparecesse vestido como uma camiseta do "mito" e José Leôncio e Tadeu voassem com seu avião puxando uma faixa onde se lê "Bolsonaro 2022".