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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Crítica eleitoreira a uso de câmeras por PMs ajuda só o criminoso de farda

Colunista do UOL

05/07/2022 09h21

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O uso de câmeras vem tornando possível distinguir quem são os bons policiais e quem são criminosos que usam farda. A queda de 80% nas mortes cometidas por PMs em batalhões de São Paulo que adotaram a gravação de suas ações, é prova disso.

Do ponto de vista da preservação da vida da população não justifica, portanto, que pré-candidatos ao governo paulista, como Márcio França (PSB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), torçam o nariz para o projeto.

Nem mesmo os bons policiais reclamam do aparelho, pois sabem que sua intimidade está preservada e que ele pode ser usado para a sua própria proteção diante de acusações infundadas. A única razão para ser contra a iniciativa é um posicionamento eleitoral de contraponto ao governo do PSDB, que implementou a medida.

Reportagem de Wanderley Preite Sobrinho, do UOL, aponta que entre junho de 2021 e maio deste ano, 19 batalhões registraram 41 mortes por intervenção policial contra 207 nos 12 meses anteriores ao início do programa.

Esses resultados confirmam o que a população de áreas mais carentes já sabe faz tempo: a gravação em vídeo pode salvar vidas diante da violência policial.

Em junho de 2020, criminosos de farda torturaram um jovem na periferia norte da capital paulista. As palavras parecem duras, mas é a melhor descrição considerando a situação e a trama montada para encobri-la. Se não fosse um vídeo que viralizou nas redes sociais mostrando chutes, socos e cacetadas em um rapaz rendido, teria prevalecido a versão apresentada na delegacia pelos policiais militares de que ele caiu e se machucou.

Ou seja, não são apenas as câmeras em viaturas e uniformes. A popularização de smartphones tem sido uma aliada na denúncia de crimes cometidos por policiais não só aqui, mas pelo mundo.

O exemplo mais conhecido foi a tortura e morte de George Floyd por um policial branco, em Minneapolis - o que desencadeou a mais intensa e importante série de protestos raciais, em décadas, nos Estados Unidos. O sufocamento do homem negro foi gravado e, em pouco tempo, estava empurrando pessoas para as ruas.

Outro exemplo ocorreu em 1º de dezembro de 2019, quando uma ação violenta da PM levou à morte de nove jovens durante um baile funk na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo.

Os vídeos gravados pelos frequentadores da festa e por moradores da favela de dentro de suas casas foram fundamentais para desmentir a narrativa das forças de segurança.

A tortura não nasceu no Brasil com a polícia, nem com os militares da ditadura. Mas a metodologia desenvolvida no período autoritário e aprimorada após a redemocratização, continua provocando vítimas nas periferias das grandes cidades. Tudo isso alimentado com a certeza do "tudo pode", passada por governos que não controlam ou pouco comandam suas polícias e por outros governantes que incentivam o excludente de ilicitude.

Gravar e postar intervenções policiais violentas, identificando placas de viaturas e os rostos dos envolvidos, se tornou um dos principais atos de resistência a uma parte do Estado que enxerga pobre como inimigo.

Tirar das sombras e jogar esse comportamento deturpado à luz do dia, seja nas câmeras de viaturas e corporais, seja através de vídeos gravados por celulares pela população, não resolverá tudo, claro, mas já se mostrou um bom começo. O projeto precisa ser espalhado para todo o país e não atacado em troca de votos de uma parte da população, que defende uma polícia que atira e só depois pergunta.