Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Com estratégia de guerra, Bolsonaro não irá abraçar pacificação da eleição
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O presidente da República não conclamou os seus seguidores a "baixarem as armas" após o assassinato do tesoureiro petista por um bolsonarista em Foz do Iguaçu. Na verdade, nem poderia, pois isso bateria de frente com toda a estratégia montada até agora para a sua reeleição, que passou por armar, literalmente, seus fãs.
Desde a campanha de 2018, ele alimenta seus fiéis com uma retórica de que estão em uma guerra do bem contra o mal. Mais do que um governo, trata-se de uma cruzada para impor ao Brasil os "valores corretos" - processo pelo qual, segundo Jair Bolsonaro, vale a pena pegar em armas para matar ou morrer.
Adotando esse discurso de que estão em uma missão civilizatória (ou divina), ele manteve uma parcela da população ao seu lado mesmo nos piores momentos da pandemia e da economia. Temos 17% que acreditam em absolutamente tudo o que Bolsonaro diz, segundo o Datafolha, contingente que, mesmo na baixa, nunca variou muito disso.
Esses seguidores fanáticos e engajados são um dos maiores ativos de sua campanha, capazes de produzirem e capilarizarem rapidamente conteúdo digital em prol do presidente, pressionarem seus empregados, familiares e amigos a votarem no "mito", encherem manifestações de rua (como as previstas para o 31 de julho e o 7 de setembro) e, se tudo der errado no voto, contribuírem para uma tentativa de golpe eleitoral.
Aliados políticos no Congresso entendem isso, mas defendem que, neste momento, Bolsonaro, mais do que defender os votos que já tem, precisa atrair indecisos ou tirá-los de outros candidatos. E a imagem de um candidato que, com seus discursos, fomenta a violência física contra oponentes não é atraente. Na verdade, é ruim até para candidatos a deputado que são seus aliados.
O presidente aposta, contudo, que, com a distribuição de dinheiro através da PEC da Compra dos Votos e a redução momentânea da inflação com a queda do ICMS dos combustíveis, a população não vai se preocupar com uma morte. Até porque, se com 670 mil mortes da covid-19, ele continua um dos favoritos na corrida eleitoral, não é um assassinato político que vai tirá-lo do jogo.
O problema é que essa pode ser a primeira morte da campanha, mas não será a última tendo em vista que o ambiente que a gerou segue cada vez mais tóxico.
Logo após o assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda pelo agente penitenciário Jorge Guaranho, a máquina de guerra digital do bolsonarismo foi acionada para tentar evitar um impacto negativo para a sua imagem, evidência de que, Galvão, ele sentiu.
Buscou-se afastar a responsabilidade do presidente pelas ações dos seus seguidores, mesmo quando um deles o obedeceu ao pé da letra. Bolsonaro até tentou um contorcionismo semântico, tentando convencer que falava em sentido figurado. Mas isso não cola porque, dia após dia, ele vem transformando adversários em inimigos e defendendo que os bolsonaristas peguem em armas para defende-lo.
Seis dias antes dos atos de caráter golpista e antidemocráticos de 7 de setembro do ano passado, Jair afirmou, em um evento da Marinha, que "se você quer paz, se prepare para a guerra".
O provérbio, que vem do latim (si vis pacem, para bellum) e é repetido ao longo de séculos, é uma variação de uma declaração atribuída ao escritor romano Flávius Vegetius Renatus, que viveu no final do 4º século de nossa era. Significa isso mesmo que parece.
Bolsonaro não falou em sentido figurado. Há uma guerra vindo. E um dos lados, aquele que ataca a liberdade em nome da liberdade, foi armado até os dentes. Se houver violência, mesmo que artificialmente construída, ele deve usá-la como justificativa para intervir nas eleições.
Toda guerra deixa suas vítimas. Nesta, pode ser a democracia.