Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em nova investida, Bolsonaro quer filmar eleitor em urna no dia da votação

Bolsonaro ao lado da urna eletrônica na votação do segundo turno da eleição presidencial de 2018 - Tania Rego/Agência Brasil
Bolsonaro ao lado da urna eletrônica na votação do segundo turno da eleição presidencial de 2018 Imagem: Tania Rego/Agência Brasil

Colunista do UOL

03/08/2022 13h31

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Cansado de atacar só as urnas eletrônicas, Jair Bolsonaro resolveu também causar confusão quanto ao voto secreto. Em entrevista à rádio Guaíba, o presidente propôs gravar as pessoas apertando os botões em urnas nos locais de votação para conferir se os votos inseridos batem com o resultado final. O problema é que, se as imagens vazarem, o sigilo do voto estará comprometido.

Ao tratar de propostas das Forças para combater as fraudes nas eleições (fraudes que só existem nas mentiras do presidente, que tenta deslegitimar a urna eletrônica para questionar o resultado em caso de derrota), ele sugeriu uma "verificação no dia das eleições".

"Podemos pegar 600 urnas e checar nesse dia. Poxa, aí você, com 600 urnas, são quase 500 mil no Brasil, é uma boa amostragem. Como é que é feito esse teste? Começou a votação agora. Essa uma das 600 vai para um canto, coloca uma reserva no lugar daquela. E, nesse lado de cá, as pessoas vão votando, sabendo que estão sendo filmadas. 'Olha, você vai ser filmado agora. Você quer votar aqui, aleatoriamente, em quem você quiser, independente da sua vontade, né.' O pessoal topa e são filmadas", afirmou nesta terça.

Advogados eleitorais especialistas no sistema de votação com a qual a coluna conversou afirmam que já existe um processo semelhante de checagem do sistema com o uso de urnas de controle, mas que é feita pela Justiça Eleitoral fora dos locais de votação para evitar pressão sobre os eleitores. O que o presidente está propondo é que essa votação em urnas de controle, com filmagem do voto, seja feita de forma paralela em 600 locais de votação reais.

Primeiro, não há estrutura para sortear e distribuir urnas no dia da eleição a esta altura do processo. O presidente da República e as Forças Armadas sabem disso e a proposta vem a público apenas para que ele ouça um "não" e possa dizer que o TSE o ignora.

Segundo: há um risco em fazer isso nos locais de votação sem a devida estrutura para garantir a confidencialidade. Pois após votarem na urna de controle de seu local de votação, quando serão filmados depositando os seus votos, os eleitores irão repetir a votação na urna real. Ou seja, se as imagens vazarem, criminosos saberão como votaram membros de uma comunidade.

Em um lugar dominado por milicianos ou em que novos e antigos coronéis exercem o voto de cabresto, se um morador for orientado antecipadamente a dizer que topa ser filmado, qual a chance de ele incorporar Bartleby, o escriturário, de Herman Melville, e - sem emoção - tascar um "prefiro não fazer isso"? Zero.

E continuou Bolsonaro: "E, no final do dia, com esse filme pronto, você vê quem essa pessoa digitou. 'Ah, foi tantos votos pro Onyx Lorenzoni', por exemplo. Então vai ter que aparecer tanto pro Onyx, tanto pro Heinz, tantos para um deputado federal, tanto para um deputado estadual. Sem problema nenhum", disse.

Diante da proposta, o presidente completou: "O TSE até o momento não respondeu isso aí. Por que que não respondeu se está amparada em lei? Não tem custo nenhum. É só sortear os locais". Amparado em lei está o voto secreto, cláusula pétrea.

Se a Justiça Eleitoral tentasse aprovar uma medida como essa em pouco tempo, abriria espaço para falhas no processo que permitiram revelar a identidade de eleitores no momento em que exercem seu direito ao voto - o que poderia colocar em risco sua segurança.

Nas eleições para Assembleia Constituinte de 1822 já havia escolha de deputados de forma anônima, mas o voto secreto se consolidou no Código Eleitoral de 1932. Pode-se dizer, dessa forma, que Bolsonaro está defendendo um Brasil que havia há mais de 90 anos.