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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Consignado do Auxílio Brasil é armadilha de Bolsonaro para endividar pobres

Colunista do UOL

04/08/2022 14h08

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O governo Jair Bolsonaro armou uma armadilha para famílias em extrema pobreza ao propor e sancionar o empréstimo consignado, ou seja, com desconto automático, diretamente das parcelas do Auxílio Brasil.

Em um primeiro momento, muita gente ficará feliz que poderá sacar a partir de 9 de agosto os R$ 600 do benefício mais R$ 2 mil do consignado. Contudo, reportagem de Geralda Doca e Letícia Lopes, no jornal O Globo, desta quinta (4), apontou que instituições financeiras já estão oferecendo empréstimos a uma taxa pornográfica de juros de 78,8% ao ano.

A proposta é eleitoreira porque cria um efeito de bem-estar de curto prazo, o que pode guiar ao voto em Bolsonaro, mas deve gerar desespero e ranger de dentes mais para frente. A chance de os mais pobres ficarem presos a dívidas impagáveis será enorme, uma bomba-relógio que terá que ser resolvida pelo próximo governo.

Para efeito de comparação, o consignado dos servidores públicos tem taxa de 20,9% e para os beneficiários do INSS, de 26,9%, segundo a reportagem. Como não há, por enquanto, teto para os juros do empréstimo descontado do Auxílio Brasil, a agiotagem enfia a faca e o inferno é o limite.

Poderá ser comprometido com o desconto mensal em folha um limite de 40% dos R$ 400 que compõem a base permanente do benefício. Através da PEC da Compra de Votos, o governo Jair Bolsonaro conseguiu subir o valor transferido para R$ 600. Mas até o fim das eleições, ops, do ano.

Isso significa que um naco da população que recebe o benefício exatamente para não passar fome passará fome porque parte significativa do benefício estará comprometida com o empréstimo.

O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) calcula que os R$ 600 já seriam suficientes para comprar a alimentação mensal em 14 das 17 capitais analisadas mensalmente - São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Campo Grande, Curitiba, Brasília Vitória, Goiânia, Fortaleza, Belo Horizonte, Belém, Recife e Natal.

Se o valor for a R$ 440, já com o desconto, ele não compra o mínimo em nenhuma capital do país. Fazendo com que parte das mais de 20 milhões de famílias (cerca de 56 milhões de pessoas) que receberão o auxílio ajudem a engrossar os 33,1 milhões que passam fome no país.

E se os R$ 600 não forem mantidos em 2023, sobrará R$ 240 após o desconto de R$ 160 sobre os R$ 400. Com a inflação de dois dígitos que assola o país a há meses, só vai dar para comprar pelanca e osso como mistura.

O governo poderia ter elaborado propostas para melhorar a qualidade de vida da população nos últimos anos, garantindo que não chegássemos a esse fundo do poço. Poderia, mas não fez. Ficou entretido na desconstrução das regras ambientais e trabalhistas, bem como em se preocupar com quem você dorme.

Não desenvolveu uma política de geração de empregos formais de qualidade, negou o debate sobre a criação de um programa de renda básica e chegou até a suspender o auxílio emergencial no início de 2021 sob justificativas fiscais quando as mortes e a fome escalavam. Hoje, preferiu abrir um alçapão no fundo do poço, ajudando os muitos pobres a se endividar.

Com isso, o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional conseguem implementar um dos maiores programas de transferência de renda do país: dos cofres públicos para os bolsos da agiotagem, sem passar pelas mãos dos mais pobres. Não à toa, bancos e instituições já estão oferecendo empréstimos ao povão em troca do lucro fácil.

É o livre mercado dirão alguns. Liberdade para passar fome.