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Mortes de Leandro Lo e Lindomar comprovam que o tal 'povo armado' mata
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O que os assassinatos do campeão de jiu-jitsu Leandro Lo, baleado na cabeça por um policial militar em um show na Zona Sul de São Paulo, e o de Lindomar da Silva, baleado pelas costas após bater no carro de um empresário em Mogi Guaçu (SP), têm em comum, além de terem ocorrido na madrugada deste domingo (7)?
Ambas são mortes estúpidas, que acontecem em um momento em que as armas de fogo são incensadas pelo presidente da República como solução dos problemas. E no qual a flexibilização do controle de acesso a elas, que ele diligentemente executou, permite que desavenças comuns tenham fins trágicos, quando alguém perde a cabeça e puxa o gatilho.
Em outras palavras, as pessoas estão mais armadas e mais empoderadas para usá-las.
O policial Henrique Velozo, que disparou em Leandro está preso preventivamente. O empresário Luis Paulo Lucateli Furlan, que disparou contra Lindomar, foi detido e solto sob fiança.
De uma forma infantojuvenil, parte dos seguidores de Jair Bolsonaro questiona a sua responsabilidade na banalização do uso das armas de fogo, afirmando que elas levaram à queda no número de homicídios durante o seu mandato.
Mortes caíram sim, mas por conta da efetivação de políticas estaduais de segurança pública ao longo da última década, pelo armistício em guerras travadas por facções do narcotráfico (especialmente a partir de 2017) e pela transição etária do Brasil, que está ficando menos jovem e, com isso, com menos casos de violência. Se não tivéssemos o armamentismo de Bolsonaro, a redução poderia ter sido ainda maior.
Como apontou reportagem de Carlos Madeiro, do UOL, o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde apontou que o Brasil teve uma redução de 13% no número de homicídios entre 2020 e 2021. Mas, no mesmo período, as mortes por armas de fogo de mão cresceram 24,5%.
Desde que assumiu, ele vem facilitando a aquisição de revólveres, pistolas, rifles e fuzis e munição, principalmente para os CAC (caçadores, atiradores esportivos, colecionadores), como era o caso do empresário que assassinou Lindomar.
Em uma live no dia 30 de junho, Jair orgulhosamente afirmou que as lojas de armas cresceram em 72% e os clubes de tiro, em 91%, sob seu governo. E alertou que Lula, seu adversário, transformaria - veja só, que sacrilégio - clubes de tiro em bibliotecas.
O presidente da República não conclamou os seus seguidores a "baixarem as armas" após o assassinato político do tesoureiro petista por um bolsonarista em Foz do Iguaçu. Na verdade, nem poderia, pois isso bateria de frente com toda a estratégia montada até agora para a sua reeleição, que passou por armar, literalmente, seus fãs.
Desde a campanha de 2018, ele alimenta seus fiéis com uma retórica de que estão em uma guerra do bem contra o mal. Mais do que um governo, trata-se de uma cruzada para impor ao Brasil os "valores corretos" - processo pelo qual, segundo bolsonarismo, vale a pena pegar em armas para matar ou morrer.
Seguidores fanáticos e engajados são um dos maiores ativos de sua campanha, capazes de produzirem e capilarizarem rapidamente conteúdo digital em prol do presidente, pressionarem seus empregados, familiares e amigos a votarem no "mito", encherem manifestações de rua (como as previstas para o 7 de setembro) e, se tudo der errado no voto, contribuírem para uma tentativa de golpe eleitoral.
Seis dias antes dos atos de caráter golpista e antidemocráticos de 7 de setembro do ano passado, Jair afirmou, em um evento da Marinha, que "se você quer paz, se prepare para a guerra".
Como já disse aqui, o provérbio, que vem do latim (si vis pacem, para bellum) é uma variação de uma declaração atribuída ao escritor romano Flávius Vegetius Renatus, que viveu no final do 4º século de nossa era. Significa isso mesmo que parece.
A maioria dos brasileiros, contudo, rejeita a política armamentista do presidente.
De acordo com pesquisa Datafolha, divulgada no mês de maio, 72% da população discorda da frase "a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência". Ao mesmo tempo, 71% discordam da frase "É preciso facilitar o acesso de pessoas às armas".
Por fim, 69% dos brasileiros afirmam discordar e 28% concordar com um dos principais lemas do presidente: "Um povo armado jamais será escravizado".
Até porque um povo armado se mata.