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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Preço do leite substitui o da gasolina nos pesadelos do governo Bolsonaro

Colunista do UOL

09/08/2022 10h46

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O preço do litro do leite integral subiu em todas as 17 capitais mensalmente pesquisadas pelo Dieese, em julho, substituindo a gasolina nos pesadelos da campanha de Jair Bolsonaro à reeleição. Dados do IPCA de julho, divulgados pelo IBGE nesta terça (9), apontam para um aumento médio de 25,46% no leite em um mês.

Segundo o Dieese, o leite disparou 35,49%, em Vitória, e 35,23%, em Salvador. No total acumulado do ano, Florianópolis registra alta de 80,91% e Porto Alegre, 78,33%. Há locais em que o litro é vendido a mais de R$ 10, já sendo substituído por soro de leite ou transformado em "item de luxo".

As altas contrastam com a queda no preço dos combustíveis, o que levou o país a ter deflação de 0,68% em julho. A gasolina baixou 15,48%, o etanol, 11,38%, e o gás veicular, 5,67%. A imposição de um texto no ICMS sobre a energia, aprovado pelo Congresso Nacional, ajudou o país a registrar a menor taxa mensal de IPCA desde janeiro de 1980.

Como as famílias mais pobres, que ganham mensalmente até dois salários mínimos (e representam 52% do eleitorado, segundo o Datafolha), não se alimentam de índices inflacionários, o governo Jair Bolsonaro aguarda ansiosamente pelo impacto na liberação do Auxílio Brasil de R$ 600 - que ocorre a partir desta terça.

Mais de 18 milhões de famílias terão aumento de R$ 400 para R$ 600 e outras 2 milhões receberão o benefício pela primeira vez, já com o novo valor. Também deve ser pago o vale-gás de R$ 110 e os auxílios para caminhoneiros e taxistas.

O valor, contudo, é insuficiente para comprar uma cesta básica em São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Campo Grande, Brasília, Vitória, Curitiba, Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém e Recife, ou seja, em 13 das 17 capitais pesquisadas, de acordo com dados do Dieese.

Não à toa o presidente da República foi apontado como o nome mais rejeitado entre os candidatos ao Palácio do Planalto, em pesquisa G10 Favelas/Favela Diz, divulgada também nesta terça. Bolsonaro conta com 45,24% de rejeição, Lula, 32,09% e Ciro Gomes, 4,1%. O instituto afirma que a pesquisa representa 17 milhões de pessoas, ou 8% da população brasileira.

A alta no grupo alimentação e bebidas (1,3% em julho), segundo o IBGE, continua pressionando para cima a inflação dos mais pobres, que gastam boa parte dos seus recursos em comida, em um momento em que a inflação deu uma trégua a outras classes sociais.

O leite conta com fatores sazonais e climáticos (estamos na entressafra de inverno e a estiagem veio mais dura, o que prejudicou a qualidade das pastagens, reduzindo a oferta de leite). Mas também há o impacto da inflação nos custos de produção, que vão da alimentação das vacas, passando pelo custo de medicamentos e fertilizantes até o combustível usado na produção, processamento e transporte do produto.

A trégua da inflação também esbarra na persistência dos preços de alimentos em um patamar alto, o que reduz o poder de compra dos trabalhadores. Nesse sentido, um dos principais adversários a serem combatidos por Bolsonaro, que libera os R$ 600 hoje, é a memória do Bolsonaro que pagou os R$ 600 no primeiro semestre de 2020, quando o mesmo valor enchia mais o carrinho do supermercado.

O governo federal negou propostas do Congresso para garantir R$ 600 aos brasileiros mais vulneráveis no ano passado, quando a fome estava escalando. Negou em nome das contas públicas. Agora, correu para pagar esse valor a tempo de transformá-lo em votos atropelando exatamente as contas públicas.

A fome dos mais pobres, do qual a falta de leite é um dos elementos mais simbólicos, tornou-se no Brasil de 2022 um ativo eleitoral relevante. Resta saber se os famintos vão cair no golpe.