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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro nega trabalhador quatro vezes ao rejeitar aumento real do mínimo

Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro - Isac Nóbrega/PR
Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro Imagem: Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

10/08/2022 12h00

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Parafraseando Galvão Bueno em 1994: É tetra! É teeeeetra! Se tudo correr como o planejado pelo seu governo, Jair Bolsonaro vai ter passado quatro anos sem dar um reajuste real (ou seja, acima da inflação) do salário mínimo. Conquistará assim o Grand Slam da depreciação da qualidade de vida dos trabalhadores.

Como informado por Carla Araújo e Anaís Motta, do UOL, a previsão é que o valor passe de R$ 1.212 para R$ 1.294, em 2023. Em alguns locais onde o leite integral já é vendido a mais de R$ 10, o nababesco reajuste não compra duas caixinhas por semana.

O irônico dessa situação é que Jair costumava criticar os necessários programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, dizendo que eles produziam uma legião de vagabundos. Bradava que a saída era o trabalho.

"O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque se for trabalhar, perde o Bolsa Família", afirmou, por exemplo, em entrevista à Record News, em 2012. Depois perguntam por que tem pouco voto por lá...

Quatro anos depois, sem ter implementado um programa decente de fomento ao emprego formal e tendo enterrado a política de valorização do salário mínimo, que reajustava o valor de acordo com a variação do PIB nos anos anteriores, Bolsonaro rebatizou o Bolsa Família e aposta na distribuição temporária dos R$ 600 do Auxílio Brasil para se reeleger. Como diria o sábio de barba, tudo o que é sólido desmancha no ar.

Os mais pobres têm sentido mais a inflação que outros grupos sociais, pois os alimentos - que compõem boa parte de seu orçamento - continuam subindo de preço. Mesmo que IPCA tenha fechado julho com deflação de 0,68%, a alta de alimentos foi de 1,3%. A inflação acumulada nos últimos 12 meses está em assustadores 10,07%. Resultado dessa numeralha toda é que o salário mínimo está mais curto, comprando menos comida hoje do que antes.

Enquanto isso, os combustíveis deram uma trégua para a classe média e os ricos... ah, os ricos estão felizes com a alta das taxas de juros.

No primeiro ano do atual mandato, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já avisava que aumentar o salário mínimo acima da inflação iria "estimular desemprego em massa". É a mesma pessoa que, em 27 de abril de 2021, reclamou que o aumento da expectativa de vida dos brasileiros dificultava que o governo fechasse as contas: "Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130. Não há capacidade de investimento para que o estado consiga acompanhar".

Se o ministro da Economia vivesse com um salário mínimo de R$ 1.212 mensais, nunca teria dito que o país já havia saído do "inferno" da inflação... E ele disse isso em maio, quando o leite ainda não tava pela hora da morte.

E mesmo quem recebe benefícios sociais para ajudar as contas a fechar no final do mês também tem vivido um inferno com a redução do poder de compra trazida pela inflação. Sim, os R$ 600 do Auxílio Brasil já não valem a mesma coisa que valiam quando foram pagos na forma de auxílio emergencial em 2020.

Política de valorização do mínimo deixou saudades

A valorização do salário mínimo foi um dos mais importantes instrumentos de redução da pornográfica desigualdade no Brasil, um dos países que mais concentra renda em todo o mundo. O enterro dela por Bolsonaro interrompeu um quarto de século de melhoria, que começou de forma informal pelo PSDB, foi transformada em lei pelo PT e mantida pelo MDB.

Há quem diga que devemos combate só a pobreza, não a desigualdade. Bobagem. A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, que a polícia e a política protegem os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições.

Além do mais, salário mínimo não é caridade e sim uma garantia institucional de uma remuneração mínima por um trabalho feito.

De acordo com a Constituição Federal, artigo 7º, inciso IV, ele deveria ser "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim".

Isso, segundo cálculo feito mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), desde 1994, teria que ser de R$ 6.388,55, considerando o mês de julho deste ano, para uma família de dois adultos e duas crianças.

Enche-se a boca para reclamar dos bilhões a serem gastos a mais com cada real do mínimo. Finge-se ignorar que isso vai impulsionar o consumo de milhões de famílias, rodar a economia em locais pobres e, sobretudo, tornar a vida de uma parcela da população menos sofrida.

Mas quando os bilhões são aqueles destinados ao perdão de dívidas de grandes produtores agrícolas ou na rolagem de dívidas de outros setores empresariais, reina o silêncio. Ou pior, o apoio deslavado.

Não é o artigo 7º da Constituição que está errado. O país é que está.