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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro dá o tom do 7 de Setembro ao começar o dia com ameaça de golpe

Faixa diz "autorizar" Bolsonaro a destituir os ministros do Supremo  - Camila Turtelli/UOL
Faixa diz "autorizar" Bolsonaro a destituir os ministros do Supremo Imagem: Camila Turtelli/UOL

Colunista do UOL

07/09/2022 10h55

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Em um comentário com ares proféticos durante rega-bofe com aliados no Palácio do Alvorada, na manhã deste 7 de setembro, Jair Bolsonaro (PL) disse que "a História pode se repetir" após citar momentos de ruptura democrática do Brasil. Dessa forma, com uma ameaça de golpe de Estado, como o de 1964, deu o tom dos comícios que ele organizou para o Bicentenário da Independência.

Ironicamente, ele ecoa dessa forma o economista e filósofo alemão, Karl Marx, por quem, aparentemente, não tem apreço algum. Só faltou dizer que a História de repete sim, mas primeiro como uma tragédia e depois como uma encenação, tal qual o teatro antidemocrático que ele vem conduzindo rumo às eleições.

Seria desconcertante imaginar o presidente mergulhado na leitura do "18 Brumário de Luís Bonaparte", uma das mais famosas obras de Marx. O livro fala sobre o golpe de Estado baixado na França de 1851 por Carlos Luís Bonaparte, que havia sido eleito presidente três anos antes. A data escolhida para o início da ditadura foi o aniversário da coroação de seu tio, Napoleão, que havia sido imperador e, antes disso, também tinha dado um golpe.

"Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa", afirma Marx.

Bolsonaro, o militar indisciplinado que foi expulso do Exército, refestela-se ao sequestrar o Bicentenário da Independência para seus objetivos políticos, tal como fez Médici, na última ditadura brasileira, durante o Sesquicentenário da Independência. Fala de ruptura com a mesma tranquilidade como se falasse de leite condensado no pão.

A diferença é que, mesmo comparado aos ditadores que governaram o país a partir de 1964, o bolsonarismo de 2022 soa como uma pornochanchada de mau gosto dado o esforço em copiar os piores elementos do passado.

Bolsonaro, mais tarde, ainda voltaria ao golpismo ao ameaçar o STF sem nominá-lo diretamente. "Podem ter certeza, é obrigação de todos jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Com uma reeleição, traremos para dentro das quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora delas." Traremos como? Sob vara?

Há um componente revolucionário no bolsonarismo. Desde que assumiu, o presidente vem comendo instituições para garantir a sua perpetuação no poder político e simbólico. Procuradoria-Geral da República, Câmara dos Deputados, setores da Receita Federal e da Polícia Federal. Não é à toa que o STF seja tão atacado, foi a instituição que, ainda, não caiu.

O alento é que, apesar das micaretas golpistas travestidas de comícios eleitorais que, por sua vez, são travestidos de festa patriótica, que terão seus epicentros na Esplanada dos Ministérios, na avenida Paulista e em Copacabana, é difícil que Bolsonaro venha a ser bem-sucedido na tentativa de um golpe.

A principal ideia nesse livro de Marx é que apesar das pessoas fazerem sua própria história, eles não conseguem fazer exatamente como querem, mas são limitadas pelas circunstâncias impostas - seja as transmitidas pelo passado, seja pelas balizas do presente.

Ou seja, os limites impostos pela realidade importam. E, hoje, mesmo que queira, o Brasil e o mundo não deixariam um golpe se consumar.

O que não significa, contudo, que uma revolta de seus seguidores armados até os dentes, em conluio com os setores amotinados de policiais militares e milícias urbanas e rurais, não causariam um derramamento de sangue diante de um resultado negativo nas eleições - repetindo, também como farsa, a invasão trumpista do Congresso dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021.

Apenas como registro histórico, Luís Bonaparte terminou seus dias exilado, após ter permanecido preso.