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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ponto alto da posse de Lula só ocorreu graças à fuga de Bolsonaro aos EUA

RICARDO MORAES/REUTERS
Imagem: RICARDO MORAES/REUTERS

Colunista do UOL

01/01/2023 21h38

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O momento em que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto com representantes do povo brasileiro e recebeu deles a faixa presidencial foi o ponto alto das cerimônias de posse neste domingo (1º). Uma pessoa foi fundamental para a cena: Jair Bolsonaro. Com ele, nada disso seria possível.

Se o, agora, ex-presidente tivesse decidido entregar a faixa ao petista ao invés de fugir para Orlando, nos Estados Unidos, na última sexta (30), a fim de escapar de possíveis ações da Justiça brasileira, a imagem que nasceu antológica não teria acontecido.

Pior: ele poderia ter aprontado alguma coisa na última hora, jogado a faixa no chão, cuspido nela, bem o céu é o limite com Jair. No mínimo, seria ruidosamente vaiado por uma Praça dos Três Poderes tomada de vermelho - o que transformaria um momento de festa em um constrangimento.

A faixa é apenas uma questão simbólica, claro, Lula não precisaria recebê-la de ninguém para ser presidente. Mas símbolos são importantes por transmitirem à sociedade valores e princípios. No caso, a faixa representa a alternância pacífica de poder - um dos pilares da democracia.

Seria, contudo, hipocrisia se após quatro anos de um governo que espancou cotidianamente a democracia, fingirmos uma situação de tranquilidade institucional. Quem conhece as leis sabe que, por tudo o que ele fez, Jair é um condenado esperando acontecer.

Quanto à ajuda que uma cena de respeito entre ele e Lula traria à desmobilização dos ânimos acampados em torno dos quartéis, já passou o momento do convencimento. A partir de hoje, espera-se que as polícias e o Exército removam os que sobraram. E, se possível, encaminhe para uma instituição psiquiátrica os que estão celebrando que as Forças Armadas vão agir porque a bandeira está a meio pau no Comando Militar do Sudeste (na verdade, é porque o Pelé morreu, mas eles não acreditam).

No momento em que o petista chegou ao topo da rampa com o cacique Raoni, a catadora de recicláveis Aline Sousa, o operário Weslley Rodrigues, o professor Murilo de Quadros, a cozinheira Jucimara dos Santos, o artesão e militante Flávio Pereira, o influenciador que teve uma paralisia cerebral Ivan Baron e Francisco, de dez anos, morador da Zona Leste de São Paulo, houve mais do que uma comoção. Ocorreu uma catarse.

Não é preciso explicar o que significa a imagem de pessoas comuns levando Lula para dentro da sede do Poder Executivo depois de quatro anos em que os brasileiros mais humildes passaram ao largo das preocupações do presidente da República.

De dentro do Palácio do Planalto, vi ciscos caírem nos olhos de políticos, jornalistas e convidados presentes. O mesmo se repetiu pelas redes sociais, com uma multidão de pessoas deixando claro que havia chorado mais do que José Leôncio encontrando seu pai, o Velho do Rio, no fim da novela.

O fato de que o ex-presidente não entregou a faixa e o resultado foi muito melhor do que se tivesse entregue é uma metáfora do que nos espera. Você pode não gostar de Luiz, mas vai descobrir que, sem Jair, a vida é muito melhor.