Jogo do Tigrinho ganhou na loteria ao tratar os brasileiros como otários
Não existe dinheiro fácil. Mesmo enganar internautas para roubar senhas de contas bancárias em uma quadrilha em Goiás exige alguma dedicação. Mas há quem ignore essa máxima e acredite que todo mundo pode ficar rico, basta ter o "mindset" adequado. Neste caso, jogar compulsivamente.
O Brasil está a um passo de regulamentar a jogatina digital, o que vai incluir caça-níqueis viciados como o Jogo do Tigrinho e outras enganações. Neles, a máxima do cassino convencional ("a banca sempre vence") é elevada à enésima potência porque está acessível a um celular de distância. Vai ser um massacre.
Quem diria que uma sociedade com milhões de pessoas com pouco dinheiro no bolso e despreparada para a jogatina se viciaria na promessa de dinheiro fácil, não é mesmo? Piores do que os bingos, que levaram ao adoecimento psíquico de muita gente, as bets e jogos de azar online já estão demandando os nossos serviços de saúde, despreparados para lidar com essa dependência.
Nesta segunda (9), o juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão, da 35ª Vara Cível de São Paulo, determinou o bloqueio de 15 sites de jogos de azar virtuais, como a farsa do Tigrinho, que prometem retornos rápidos aos jogadores. A ação, por mais que queira colocar ordem no galinheiro, vai apenas enxugar gelo.
Com a regulamentação na boca do forno, essas plataformas vão poder operar legalmente a partir do começo do ano que vem. Muitos estão de olho nas receitas que vão vir dos jogos de azar e dos cassinos que serão erguidos. Dizem que isso trará empregos, impostos e anúncios, praticamente ignorando o tamanho da encrenca em saúde pública que a epidemia em jogos já está trazendo. Os brasileiros que estão se endividando e até cometendo suicídio? Fodam-se.
Como já disse aqui, essa epidemia se espalha mais rápido do que o crack, de forma silenciosa e acessível, afinal ninguém fuma pedra pelo smartphone - apesar de, muitas vezes, as redes sociais viciarem mais que pedra. E com o agravante de que o produto é anunciado no horário nobre, banca veículos de imprensa e times de futebol e tem a benção do Estado brasileiro.
E com influenciadores que usam sua imagem para vender produtos que enganam brasileiros. Ou pior, cometem crimes com eles. O caso mais ruidoso até agora foi de Deolane Bezerra, que foi presa e, agora, vai cumprir prisão domiciliar, pois teria aberto uma bet parta lavar dinheiro de jogos ilegais. Ela e sua família divulgam o Jogo do Tigrinho.
É cômico ouvir comerciais de bets e jogos dizerem para as pessoas "jogarem com responsabilidade" uma vez que a operação desse tipo de empreendimento depende, em última instância, de apostas feitas de forma compulsiva.
Reportagem de Carlos Madeiro, no UOL, em junho, já havia apontado que trabalhadores estão se endividando até com empregadores, perdendo o dinheiro da própria sobrevivência por causa da jogatina online. E a Polícia Civil do Paraná prendeu uma mulher de 22 anos, acusada de desviar mais de R$ 179 mil do próprio avô para gastar no "Jogo do Tigrinho".
Para uma parte dos legisladores, contudo, desgraça é a maconha, que eles xingam entre um copo de uísque e outro. Na realidade, um usuário frequente de bets pode acabar com a própria vida e a da sua família. O de maconha, na maioria das vezes, acaba com o resto do pudim que estava na geladeira.
Se as chances de ficar rico fossem realmente gigantes como os anúncios na TV, no rádio e nas redes fazem crer, não haveria tanta empresa brasileira e estrangeira oferecendo seus serviços de apostas. Ou vocês, acham que elas fazem assistência social? Reportagem da Folha mostrou que estimativa do Itaú aponta que o balanço entre vitórias e derrotas de todos os apostadores brasileiros foi de R$ 23,9 bilhões, mas a favor da casa das bets, no período entre junho de 2023 e junho de 2024. Como os lucros vão para fora do país, onde as sedes das jogatinas estão instaladas, o país sangra.
Por fim, desenho: não está se discutindo aqui a proibição de nada, até porque seria praticamente impossível, tal como a proibição das drogas. Mas o que está se desenhando é uma situação em que, no final das contas, as bets e casas de apostas vão lucrar dezenas de bilhões, sugando os trabalhadores com uma promessa vazia, até transformá-los em bagaço para o Estado cuidar.