Vício em bets passa pelos anúncios em TV, rádio e internet e no futebol
Não faz sentido anúncios de bets serem liberados e os do crack não, considerando que ambos causam mal à saúde de indivíduos e destroem famílias. O pior é que a jogatina está acessível a um celular de distância, com a benção do Estado brasileiro, enquanto comprar pedra oferece o risco de ser preso, assaltado ou morto.
Não é à toa, portanto, que as publicidade das bets foi um dos temas da audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal, nesta segunda (11), para tratar das casas de apostas online. Como exaustivamente alertado, essas plataformas estão construindo um caos social, principalmente entre os trabalhadores pobres - que perdem o dinheiro da própria sobrevivência acreditando que podem ficar ricos facilmente.
"O que se tem, ao menos por enquanto, é um estímulo constante para tomada irracional de decisão, para compulsão, pelas quase onipresentes propagandas, pela liberdade e facilidade de acesso às plataformas. A situação no momento é insustentável", afirmou a ministra Macaé Evaristo, chefe da pasta de Direitos Humanos e Cidadania, na audiência.
Luiz Augusto Santos Lima, subprocurador-geral da República, lembrou que já há mecanismos para limitar as propagandas. "Já foi feito isso com o cigarro e outros produtos. Por que não aplicar por um princípio de precaução nesse ambiente?"
Já defendi aqui anteriormente a proibição total de anúncios de bets na TV, no rádio e na internet, mas também em estádio e nas camisas de times de futebol.
É uma brincadeira de mau gosto que publicidades multicoloridas, trazendo sorridentes influenciadores, prometendo mundos e fundos, sejam encerrados com o alerta "jogue com responsabilidade".
Qualquer tigrinho com problemas de cognição sabe que as casas de apostas lucram exatamente com o comportamento compulsivo promovido por elas mesmas. Isso soa como um traficante na "cracolândia" vender uma pedra e alertar: fume com moderação.
O Congresso Nacional não deveria ter aprovado o funcionamento desse tipo de empresa, ainda mais sem a previsão de cobrança de impostos do tamanho do buraco na saúde pública e nas famílias que isso. E sem a proibição de anúncios e patrocínios que bombem o nome das bets. Ações tomadas agora não vão corrigir o estrago causado, mas podem mitigá-lo.
Há projetos apresentados para proibir a propaganda desses caça-níqueis digitais na TV, no rádio, nas redes sociais, nos portais e sites, como os da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) e do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). Se o vício em crack, que faz tão mal quanto, não pode ser incentivado no intervalo da novela, o das apostas também não.
Mas os legisladores também precisam proibir o patrocínio de bets a times de futebol. Hoje, a maioria da série A do Campeonato Brasileiro ostenta uma variedade de nomes de casas de aposta no peito de dos jogadores, vistos como exemplos e heróis por muita gente. Se o principal esporte nacional se tornou algo que só vai funcionar se ajudar a promover a pilhagem de trabalhadores, então o futebol se tornou inviável e precisa ser refundado.
Muitos defendem que as bets ajudam a financiar o combalido jornalismo e precisamos ter parcimônia quanto a isso. Ironicamente, dinheiro de bets acaba financiando reportagens que denunciam o dano causado à vida dos brasileiros que jogam nas bets. Há duas décadas, não convivemos mais com anúncios de tabaco na TV, nem em camisas de times de futebol apesar de cigarro ser vendido normalmente. E ninguém morreu por isso. Pelo contrário.