Morte de estudante por PMs mostra a ricos que 'Tarcísio moderado' é mito
O assassinato do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, com um tiro à queima-roupa, em um hotel na Vila Mariana, nesta quarta (20), reforça que é mito a ideia de que o governo Tarcísio de Freitas, em São Paulo, é moderado.
Os mais pobres já sabiam disso, uma vez que a imensa maioria das mais de 500 vítimas da letalidade policial neste ano era das periferias, mas talvez agora as classes média e alta comecem a entender isso uma vez que a vítima foi um jovem, em um bairro nobre da capital paulista, filho de médicos e professores universitários. Imagens de câmeras mostram que ele não representava risco aos policiais ou a outras pessoas, mas recebeu um tiro fatal mesmo assim.
Não é porque Tarcísio não fale palavrão como Bolsonaro e defenda a privatização de estatais (o que faz a alegria de muita gente), é que ele faça um governo moderado. Enquanto, a política de segurança pública for guiada pela força bruta suplantando a inteligência, não é possível avaliá-lo dessa forma. Não há governo moderado possível com a linha adotada pelo secretário Guilherme Derrite. Com ela, os policiais entendem que há licença para matar.
No dia 5 de novembro, Ryan, de apenas 4 anos, morreu com um tiro de fuzil na barriga durante uma ação policial, em Santos (SP), enquanto jogava bola com o irmão e os amigos em frente à sua casa nesta terça (5). O pai dele, Leonel Andrade, já havia sido morto, no começo deste ano, em outra operação policial na mesma comunidade pobre - tinha uma deficiência física e usava muletas.
Quando Ryan foi morto, boa parte dos paulistas não perdeu uma noite de sono pois era mais uma criança pobre e negra que passou desta para a melhor com as tripas para fora. Enquanto a contagem de corpos estiver subindo, a (falsa) sensação de segurança está garantida.
E a sensação de Beatriz, que em nove meses perdeu o marido e o filho caçula simplesmente por morarem no morro em Santos? E a dor de Julio Cesar Acosta Navarro, médico que viu o filho morrer e nos disse, nesta quinta, no UOL News, que não recebeu uma justificativa da polícia e do governo? A sensação é de que a perda de entes queridos é mero dano colateral.
Na época do assassinato de Ryan, o governo paulista disse que "as mortes em decorrência de intervenção policial são resultado da reação de suspeitos à ação da polícia". Ou seja, quem morre é porque é culpado, o que dá ao cano da arma do agente de segurança o poder de investigador, promotor, juiz e carrasco.
Enquanto isso, São Paulo vai sendo controlado aos poucos pelo PCC. Seja se infiltrando em instituições municipais, como no Guarujá, segundo o Ministério Público, seja fornecendo policiais corruptos para atuarem como gatilho de aluguel para a facção criminosa, como no caso do delator morto em plena luz do dia no terminal 2 do aeroporto internacional, em Guarulhos.
A crítica ao comportamento violento da polícia não é defesa de "bandido", mas sim do pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Em suma, não entregamos para o Estado o poder de usar a violência como último recurso a fim de proteger os cidadãos para que ele a use como padrão de solução de todos os conflitos.
Parte da população que não vive áreas ocupadas pelo tráfico ou pela milícia, cansada da violência, apoia desvios de Justiça por parte do Estado. E festeja mortes aceitando sem questionar o julgamento sumário trazido pela bala: se a pessoa morreu pelas mãos da polícia é porque era culpada de algo.
Repetindo a pergunta que já fiz aqui: que culpa tem Ryan e Marco Aurélio além de terem nascido em um estado onde o poder público está despreparado para lidar com vidas? Lembrando que não é só São Paulo e nem só a direita, pois esse modus operandi também é visto no Rio de Janeiro e na Bahia.
"Meu filho chegou sangrando, não tinha como salvar, e os policiais sabem onde disparar. Poderiam ter disparado no braço, na perna, de lado, para romper um fígado, um baço, mas não. Ele disparou no meio porque ele queria matar o meu filho", afirmou a médica Sílvia Mônica Cardenas, mãe de Marco Aurélio.
"O que está acontecendo com a polícia brasileira?", questionou ela.
Diante da repercussão negativa, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo se mexeu rápido, o que não costuma fazer quando o caso envolvem negros e pobres. Informou que os policiais militares Guilherme Augusto Machado e Bruno Carvalho do Prado foram indiciados por homicídio e estão afastados das atividades operacionais. Não disse nada sobre atividades administrativas. Tampouco prometeu uma reflexão sobre seus métodos.
Corre-se o risco de o governo distribuir a recomendação para matar só na periferia.