Leonardo Sakamoto

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Opinião

Morte de estudante por PMs mostra a ricos que 'Tarcísio moderado' é mito

O assassinato do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, com um tiro à queima-roupa, em um hotel na Vila Mariana, nesta quarta (20), reforça que é mito a ideia de que o governo Tarcísio de Freitas, em São Paulo, é moderado.

Os mais pobres já sabiam disso, uma vez que a imensa maioria das mais de 500 vítimas da letalidade policial neste ano era das periferias, mas talvez agora as classes média e alta comecem a entender isso uma vez que a vítima foi um jovem, em um bairro nobre da capital paulista, filho de médicos e professores universitários. Imagens de câmeras mostram que ele não representava risco aos policiais ou a outras pessoas, mas recebeu um tiro fatal mesmo assim.

Não é porque Tarcísio não fale palavrão como Bolsonaro e defenda a privatização de estatais (o que faz a alegria de muita gente), é que ele faça um governo moderado. Enquanto, a política de segurança pública for guiada pela força bruta suplantando a inteligência, não é possível avaliá-lo dessa forma. Não há governo moderado possível com a linha adotada pelo secretário Guilherme Derrite. Com ela, os policiais entendem que há licença para matar.

No dia 5 de novembro, Ryan, de apenas 4 anos, morreu com um tiro de fuzil na barriga durante uma ação policial, em Santos (SP), enquanto jogava bola com o irmão e os amigos em frente à sua casa nesta terça (5). O pai dele, Leonel Andrade, já havia sido morto, no começo deste ano, em outra operação policial na mesma comunidade pobre - tinha uma deficiência física e usava muletas.

Quando Ryan foi morto, boa parte dos paulistas não perdeu uma noite de sono pois era mais uma criança pobre e negra que passou desta para a melhor com as tripas para fora. Enquanto a contagem de corpos estiver subindo, a (falsa) sensação de segurança está garantida.

E a sensação de Beatriz, que em nove meses perdeu o marido e o filho caçula simplesmente por morarem no morro em Santos? E a dor de Julio Cesar Acosta Navarro, médico que viu o filho morrer e nos disse, nesta quinta, no UOL News, que não recebeu uma justificativa da polícia e do governo? A sensação é de que a perda de entes queridos é mero dano colateral.

Na época do assassinato de Ryan, o governo paulista disse que "as mortes em decorrência de intervenção policial são resultado da reação de suspeitos à ação da polícia". Ou seja, quem morre é porque é culpado, o que dá ao cano da arma do agente de segurança o poder de investigador, promotor, juiz e carrasco.

Enquanto isso, São Paulo vai sendo controlado aos poucos pelo PCC. Seja se infiltrando em instituições municipais, como no Guarujá, segundo o Ministério Público, seja fornecendo policiais corruptos para atuarem como gatilho de aluguel para a facção criminosa, como no caso do delator morto em plena luz do dia no terminal 2 do aeroporto internacional, em Guarulhos.

A crítica ao comportamento violento da polícia não é defesa de "bandido", mas sim do pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Em suma, não entregamos para o Estado o poder de usar a violência como último recurso a fim de proteger os cidadãos para que ele a use como padrão de solução de todos os conflitos.

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Parte da população que não vive áreas ocupadas pelo tráfico ou pela milícia, cansada da violência, apoia desvios de Justiça por parte do Estado. E festeja mortes aceitando sem questionar o julgamento sumário trazido pela bala: se a pessoa morreu pelas mãos da polícia é porque era culpada de algo.

Repetindo a pergunta que já fiz aqui: que culpa tem Ryan e Marco Aurélio além de terem nascido em um estado onde o poder público está despreparado para lidar com vidas? Lembrando que não é só São Paulo e nem só a direita, pois esse modus operandi também é visto no Rio de Janeiro e na Bahia.

"Meu filho chegou sangrando, não tinha como salvar, e os policiais sabem onde disparar. Poderiam ter disparado no braço, na perna, de lado, para romper um fígado, um baço, mas não. Ele disparou no meio porque ele queria matar o meu filho", afirmou a médica Sílvia Mônica Cardenas, mãe de Marco Aurélio.

"O que está acontecendo com a polícia brasileira?", questionou ela.

Diante da repercussão negativa, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo se mexeu rápido, o que não costuma fazer quando o caso envolvem negros e pobres. Informou que os policiais militares Guilherme Augusto Machado e Bruno Carvalho do Prado foram indiciados por homicídio e estão afastados das atividades operacionais. Não disse nada sobre atividades administrativas. Tampouco prometeu uma reflexão sobre seus métodos.

Corre-se o risco de o governo distribuir a recomendação para matar só na periferia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL