Golpe não ocorreu porque Bolsonaro teve medo, dizem mensagens de militares
A tentativa de golpe de Estado não foi para frente não só pela negativa dos comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, de abraçarem o decreto golpista editado por Jair Bolsonaro, e pela conjuntura nacional e internacional, mas também pelo acovardamento do então presidente, que tinha (e tem) medo de ser preso.
A posição do general e do brigadeiro diz respeito à possibilidade de a tentativa de golpe dar certo, ou seja, trata do dia seguinte. Mas como eles não prenderam Jair diante do documento que lhes foi apresentado na reunião de 7 de dezembro de 2022, o então presidente sentiu-se à vontade para conversar com o comandante de operações terrestres, general Estevam Theóphilo, que prometeu apoio em 9 de dezembro.
Com isso e com a Marinha, do almirante Almir Garnier, que mergulhou na intentona, Jair poderia ter tentado. Mas, seguindo o seu modus operandi, pensou primeiro nele, depois nas promessas que ele havia feito a seus seguidores e aliados.
Aliás, no discurso que fez no gramado do Palácio do Alvorada, no dia 9 de dezembro, ele disse "dou a minha vida pela pátria, a vida física se preciso for". Contudo, não foi isso o que aconteceu. Ao desistir de assinar o decreto golpista que ele mesmo havia editado, freou os preparativos para uma primeira a tentativa de golpe, prevista para 15 de dezembro de 2022.
Dessa forma, Bolsonaro foi chamado de covarde e medroso por militares de sua própria conspiração golpista no WhatsApp.
Em conversa com o tenente-coronel Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, o também tenente-coronel Mauro Cid disse que o presidente da República e os comandantes das Forças Armadas também foram "covardes". E que no golpe de 1964, "não precisou de ninguém assinar nada".
Tratavam do decreto golpista, que instituiria um estado de sítio e daria às Forças Armadas o papel de intervir no Tribunal Superior Eleitoral.
Em outro diálogo entre golpistas, o coronel Bernardo Romão Correa Neto disse ao coronel Fabrício Moreira de Bastos que havia falado com Cid e o decreto não seria colocado em marcha. O motivo é que, diante da falta de apoio dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, Bolsonaro "tá com medo de ser preso".
Em mais uma conversa, Cavalieri de Medeiros disse ao coronel Gustavo Gomes que o decreto golpista não seria publicado. "O presidente não vai embarcar sozinho porque pode acontecer o mesmo que no Peru. Ele está com decreto pronto ele assina e aí ninguém vai ele vai preso. Então não vai arriscar", disse.
Segundo a PF, ele ser referia à tentativa de golpe perpetrado pelo presidente peruado Pedro Castilho, que acabou sendo preso.
Um detalhe: apesar do peruano estar citado na troca de mensagens, era um exemplo boliviano que tirava o sono de Bolsonaro. Durante anos, o fantasma do destino da ex-presidente da Bolívia, Jeanine Añes, condenada por um golpe de Estado em 2019, rondou os pesadelos de Jair. Em junho de 2021, quando ela já estava presa, ele tratou do assunto com seus seguidores: "O que aconteceu na Bolívia? Voltou a turma do Evo Morales e, mais ainda, a presidente que estava lá no mandato tampão está presa, acusada de atos antidemocráticos. Estão sentindo alguma semelhança com o Brasil?", disse.
Em abril de 2022, ele disse: "Tenham certeza eu jamais serei uma Jeanine, jamais, porque primeiro eu acredito em Deus e depois acredito em cada um de vocês que estão aqui. A nossa liberdade não tem preço, digo mais, como sempre tenho dito: ela é mais importante que a nossa própria vida, porque um homem, uma mulher sem liberdade não tem vida".
E, em junho de 2022, se comparou novamente a ela. "A turma dela perdeu, voltou a turma do Evo Morales. O que aconteceu um ano atrás? Ela foi presa preventivamente. E agora foi confirmado dez anos de cadeia para ela", disse. E foi além: "Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?"
Não à toa, uma tentativa de golpe só foi às ruas após Bolsonaro fugir para os Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022, para não ser responsabilizado pela conspiração golpista ocorrida nos meses anteriores e buscando proteção por aquilo que aconteceria a seguir.
Daí, em 8 de janeiro de 2023, Jair viu, corajosamente, dos arredores de Orlando, na Flórida, seus seguidores atacarem o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. O bolsonarismo esperava que essa convulsão social levasse ao engajamento das Forças Armadas no golpe. O que não aconteceu.