Naco do mercado torce contra saúde de Lula e para que Alckmin vire um Temer
O comportamento de uma parte dos operadores do mercado diante das notícias sobre a saúde de Lula leva a crer que há uma torcida pelo afastamento definitivo do presidente ou mesmo por seu passamento. É a mesma turma que, silenciosamente, queria que o golpe de Estado de Bolsonaro tivesse dado certo e que, secretamente, mantém um pôster de nu frontal do general Pinochet, aquele que casou tortura com neoliberalismo, no seu quarto.
O mais interessante é que esse pessoal se desdobra para defender que suas decisões são puramente técnicas quando, durante a gastança irresponsável que a gestão passada fez para tentar se reeleger, não houve surto. Ou que viu com tranquilidade quando 17 setores conseguiram prorrogar seus benefícios fiscais, mas rangem os dentes diante do pagamento de seguro-desemprego. São tão ideológicos quanto o cidadão que, no outro extremo, diz o governo não precisa se preocupar com as contas públicas e é só imprimir mais dinheiro.
Ninguém precisa torcer pela saúde de ninguém, a questão aqui não é moral. Gostando ou não, Lula representa um projeto e uma visão de mundo que venceram as eleições. Isso inclui políticas para incluir os trabalhadores no orçamento nacional e os ricos no imposto de renda — o que significa gerar despesas para beneficiar quem não tem e aumenta impostos para tirar dos que têm muito.
Torcer para que Lula morra ou se torne incapacitado e o governo seja assumido por Geraldo Alckmin, na expectativa de que ele seja um Michel Temer 2, é o recibo de que esse pessoal passa sobre seu caráter golpista. Pois significa que reconhecem que não têm voto para que suas propostas vençam pela via eleitoral. Só um governo não eleito seria capaz da Reforma Trabalhista tal qual passou sob Temer, quando a massa levou chicotada em nome do seu próprio bem.
Mas também é apostar que Alckmin e Haddad dariam as costas ao programa pelos quais seu grupo político foi eleito tal qual fez o sucessor de Dilma Rousseff.
A função de Lula não é formular contrapontos às propostas de sua área econômica, mas arbitrar soluções considerando as ponderações de outros membros de sua equipe — que lembram que o ajuste é importante, mas a qualidade de vida da classe trabalhadora também é (e sim, isso tem efeitos eleitorais).
Para mediar os conflitos da sociedade é que a política não pode ser sequestrada pela economia e as decisões que tratam da vida de milhões não podem ser tomadas em uma quadra de beach tênis perto da Faria Lima.
A saúde de Lula é assunto relevante e sim, não adianta seguidores fanáticos ignorarem que isso diz respeito à sua capacidade de conduzir o país ou de sua reeleição. Ela pode se deteriorar, o que forçaria ao atual grupo político no poder buscar uma alternativa. Lembrando que Lula não teria, em 2026, a mesma capacidade de transferir popularidade - o que elegeu Dilma presidente, em 2010, e Haddad prefeito de São Paulo, em 2012.
Mas a saúde pode permanecer estável, o que o manteria como favorito - considerando que, mesmo com a inflação dos alimentos que rouba pontos de sua aprovação, o PIB cresce, o desemprego desaba e a renda sobe. Se os juros altos não roubarem o humor dos consumidores, o país terá mais qualidade de vida daqui a dois anos do que teve há dois anos, o que fará diferença nas urnas.
Lula vai ter que monitorar pelo resto da vida as consequências da queda que teve no banheiro, com consultas e exames, porque intercorrências podem ocorrer. Da mesma forma que Jair Bolsonaro vai ter que monitorar pelo resto da vida as consequências da facada que recebeu e que o levam periodicamente ao hospital.
Mas, hoje, com o seu quadro clínico atual, o petista está longe de ser um Joe Biden, e conta com a totalidade de suas funções mentais. Então, seria de bom que desejos não contaminassem a capacidade de análise de uma turma que se gaba de ser técnica, mas, não raro, vê a democracia como um detalhe incômodo.