App da 99 de mototáxi em SP vai bancar enterro e pensão por invalidez?

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) está coberto de razão quando diz que o início da exploração de mototaxistas em São Paulo pela plataforma 99 vai ser uma "carnificina". Se o serviço não for interrompido, seria bom, pelo menos, a empresa bancar os enterros de condutores e passageiros e o pagamento de indenizações e pensões vitalícias por morte e invalidez. Além, claro, de compensar o Sistema Único de Saúde (SUS) pelo impacto que seu negócio vai causar.
"Vou colocar uma faixa de que a 99 matou essa pessoa no primeiro acidente que tiver", prometeu Nunes.
Não sou contra o serviço de mototáxi, que isso fique bem claro. Utilizei muito em pequeninas cidades do interior do país ao fazer reportagens. Tudo direitinho, com motoristas responsáveis e uso de capacete. Sempre avaliei, com uma certa tristeza, que era uma pena que isso funcionasse bem em cidades com alguns milhares de habitantes, mas não na realidade do trânsito violento da capital paulista, de quase 12 milhões de almas.
Enquanto negociava com a prefeitura, a empresa bancou propagandas em veículos de comunicação, principalmente no rádio, pressionando o poder público. Até que, sem conseguir um acordo, anunciou, nesta terça (14), o início das atividades por aqui, citando leis federais e decisões judiciais que autorizam o serviço.
"A legislação federal estabelece que as prefeituras podem regulamentar e fiscalizar a atividade com exigências específicas, mas não têm o poder de proibi-la. Já existem 20 decisões judiciais confirmando esse entendimento sobre a legalidade da categoria. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2019 pela impossibilidade de proibição, por se tratar de atividade legítima, exercida de livre iniciativa e autorizada pela Constituição", diz comunicado da empresa.
Em São Paulo, o motofrete é permitido, mas não o mototáxi. Decreto de Nunes, de 2023, proíbe, temporariamente, o transporte de passageiros em motocicletas. A briga vai para os tribunais. No limite, restará a Nunes regulamentar o serviço. Espero que, se chegarmos a isso, ele inclua também o custo da coroa de flores e da tal pensão vitalícia.
A capital paulista registrou 427 mortes de motociclistas de janeiro a novembro de 2024, frente a 350 mortes no mesmo período em 2023, um aumento de 22%, segundo dados do Detran de São Paulo. Mortes de pessoas na garupa passaram de 32 para 49. Os dados tendem a aumentar com o início da operação de mototáxis.
Interessados em implementar um serviço como este deveriam, para não parecer que só pensam em dinheiro, ter, no mínimo, patrocinado uma mudança no trânsito da capital. E, só depois de uma redução consistente no número de mortes em motos, fazer estudos para discutir como e onde buscar a implementação do serviço.
Além disso, afirmar que o poder público está cerceando o direito de trabalhadores ganharem dinheiro é chantagem barata usando a populacão pobre como aríete. Tanto que o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP) também repudiou a decisão da empresa.
"A insistência da 99 com esse serviço de transportes de passageiros com moto só aumentará o número de vítimas, além de, no caso dos acidentes, deixar os motociclistas e passageiros na mão, tendo que arcar com os custos e muitas vezes, com a própria vida. O SindimotoSP repudia essa atitude da 99 que apenas visa o lucro, e se coloca contra à empresa denunciando aqui, tal arbitrariedade, ressaltando que estas empresas desrespeitam as leis e sacrificam uma geração de trabalhadores, devendo ser autuadas, enquadradas e fiscalizadas pelos poderes públicos", afirma nota do sindicato.
Na busca pelo lucro, o app está brigando com a realidade em busca de um bom negócio. Parece que se tornou moda plataformas digitais baterem de frente com a realidade e colocarem em risco a vida de pessoas em busca de fazer cascalho.
Em tempo: Se o transporte público de ônibus, metrô e trens fosse barato, de qualidade e com lotação aceitável nos horários de pico, a busca por alternativas seria bem menor. Nesse sentido, e mediante os aumentos nos preços das tarifas anunciadas em São Paulo (ônibus de R$ 4,40 para R$ 5 e metrô e trens de R$ 5 para R$ 5,20), faz-se urgente não apenas a revisão sobre a remuneração das empresas como também uma rediscussão sobre o preço e a estrutura do transporte coletivo na capital. Hoje, o cidadão foge do transporte público para os aplicativos sempre que pode.