Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonaro sabe que posse de Trump era ficção, mas quer lucrar com vitimismo

Jair Bolsonaro é um líder político importante, mas não representa o Estado brasileiro. Para tanto, precisaria ter ganho a eleição presidencial ou obtido sucesso na tentativa de golpe de Estado, mas fracassou em ambas.

Outra alternativa seria se Lula pedisse a ele que, como ex-presidente, fosse à posse de Donald Trump, na próxima segunda (20), em nome do Brasil. Mas, se isso ocorresse, aí, sim, as teorias conspiratórias que apontam que o petista foi substituído por um clone reptiliano produzido em laboratório na China e alimentado por Coronavac e controlado por chips 5G soariam como verdadeiras.

Ele também poderia ir como cidadão comum, mas, para tanto, precisaria não ter sido indiciado por querer transformar o Estado democrático de direito em geleia. Qualquer pessoa podia conseguir um convite oficial genérico no site da posse - curiosamente o mesmo site que enviou a ele o convite que apresentou ao STF como justificativa para sair do país.

Após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, atender ao posicionamento da Procuradoria-Geral da República, contrário à devolução de seu passaporte para ir à posse de Trump, nesta quinta (16), Jair postou em suas redes uma declaração atribuída ao "Gabinete do Presidente Jair Bolsonaro" - seja lá o que for isso.

"Impedir Bolsonaro de comparecer enfraquece os laços diplomáticos e econômicos entre nossos países e afasta ainda mais o Brasil de um alinhamento com o mundo livre", afirmou o texto.

"A decisão de hoje de Alexandre de Moraes de negar o pedido do presidente Jair Bolsonaro para comparecer à histórica posse do Presidente Donald Trump é uma grave decepção - não apenas para o presidente Bolsonaro, mas para os milhões de brasileiros que ele representa e para a duradoura amizade entre o Brasil e os Estados Unidos", diz também

Apesar do excesso de autoestima do ex-presidente, a decisão não enfraquece laços diplomáticos e econômicos, nem é uma decepção para a duradoura amizade entre o Brasil e os Estados Unidos. Pode chatear o bolsonarista-raiz, que é muita gente, de fato. Contudo, o resto da população não vai gastar uma gota de suor de preocupação.

Ao pedir ao Supremo Tribunal Federal para ir à posse de Trump, Bolsonaro apostava em um jogo de ganha-ganha.

Se a resposta fosse um improvável sim, ele teria a chance de ir ao rega-bofe com a extrema direita global e, quem sabe, fugir de uma provável condenação no Brasil. Se fosse um não, como de fato ocorreu, poderia apelar ao vitimismo para tachar de perseguição o seu indiciamento por tentativa de golpe de Estado, como está fazendo.

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Afirmou, na tal declaração, que ele "cumpriu todas as ordens judiciais desde que seu passaporte foi confiscado há quase um ano" e que "compareceu à posse do Presidente Javier Milei na Argentina em dezembro de 2023 com permissão de Alexandre de Moraes e retornou ao Brasil como prometido, provando mais uma vez que não representa risco de fuga".

A questão é o que ele fez após seu passaporte ser apreendido, em 8 de fevereiro de 2024: refugiou-se na Embaixada da Hungria, governada pela extrema direita de Viktor Orbán, entre 12 e 14 de fevereiro. Muitos viram o episódio como uma espécie de test drive ou Airbnb de fuga.

Com o retorno de Trump ao poder, ele poderia pedir asilo político aos Estados Unidos, sob a justificativa de "comandar a resistência" direto da Disney.

Ainda pode, na verdade, porque a falta de passaporte é o de menos. Há outras formas de fugir do país caso necessário seja, ainda mais com alguém com recursos financeiros e políticos para tanto.

Mas uma frase da declaração que ele postou e aqui pincei está coberta de razão: "Isso não é sobre um homem ou uma decisão; não é sobre direita ou esquerda, é sobre o futuro da democracia no Brasil."

Já deixamos os responsáveis pelo golpe de 1964 saírem impunes e o espírito golpista verde-oliva voltou para nos assombrar. Pelo futuro da democracia no Brasil, não podemos cometer o mesmo erro duas vezes e deixar a possibilidade de Justiça fugir.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL