Leonardo Sakamoto

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Opinião

Uber e 99 atropelam a lei e agem como se fossem os donos de São Paulo

A plataforma Uber se juntou à 99 e lançou, nesta quarta (22), seu aplicativo de transporte por moto, dobrando a aposta das empresas de tecnologia contra a Prefeitura de São Paulo, que não autorizou o serviço. Veja que não usei o termo "mototáxi" porque isso não é. Mototaxistas poderiam operar amparados em lei federal. O que as empresas fazem é serviço de transporte por aplicativo que, segundo a lei federal que regulamenta a Política Nacional de Mobilidade Urbana, está autorizado só para carros.

É sempre didático quando empresas bilionárias controladas por capital estrangeiro começam a ignorar o poder público, criando interpretações da lei de acordo com suas conveniências econômicas.

Como explicou Carlos Juliano Barros, em sua coluna no UOL, o artigo 11-B da lei federal acima citada autoriza só apps de transporte de passageiros na categoria B (carros). Já para táxis, não faz distinção entre motos e automóveis, mas garante que as prefeituras regulamentem e determinem, inclusive, o preço das corridas.

Essa questão, portanto, deveria ser discutida nos fóruns corretos, como a Câmara dos Vereadores e o Congresso Nacional. E não na base do vou fazer e pronto.

Nesta terça (21), houve um protesto em frente à Prefeitura de São Paulo de motociclistas contra as apreensões de veículos por parte do poder público após o serviço da 99 entrar em funcionamento. É claro que trabalhadores precisam ser acolhidos, mas não podem ser usados como aríete quando, do outro lado, há uma atividade não autorizada no município que pode colocar em risco a vida de muita gente.

A capital paulista registrou 427 mortes de motociclistas de janeiro a novembro de 2024, frente a 350 mortes no mesmo período em 2023, um aumento de 22%, segundo dados do Detran de São Paulo. Mortes de pessoas na garupa passaram de 32 para 49. Os dados tendem a aumentar com o início da operação dos aplicativos.

Se as empresas defendessem realmente o direito dos trabalhadores de ganhar seu sustento, que primeiro incentivassem os mototaxistas independentes. E patrocinassem uma mudança real no trânsito da capital até que as estatísticas melhorassem. Mas resolveram patrocinar propagandas em veículos de comunicação, principalmente no rádio, pressionando o poder público a aceitar que elas pudessem ganhar mais dinheiro.

Isso mostra a falta de preocupação com o aumento de mortos e feridos que pode vir com a explosão de corridas em uma cidade com trânsito violento como a nossa. O foco maior é ganhar com o trabalho de cidadãos das classes C e D, mesmo que os coloquem em risco. O Ministério Público do Trabalho, aliás, foi instado a analisar a situação.

Não sou contra o serviço de mototáxi, que isso fique bem claro. Utilizei muito em pequeninas cidades do interior do país ao fazer reportagens. Tudo direitinho, com motoristas responsáveis e uso de capacete. Sempre avaliei, com uma certa tristeza, que era uma pena que isso funcionasse bem em cidades com alguns milhares de habitantes, mas não na realidade do trânsito violento da capital paulista, de quase 12 milhões de almas.

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Claro que se o transporte público de ônibus, metrô e trens fosse melhor e mais barato, os cidadãos não recorreriam tanto a outros serviços. Faz-se urgente, em São Paulo, não apenas a revisão sobre a remuneração das empresas como também uma rediscussão sobre o preço e a estrutura do transporte coletivo na capital.

Mas a questão deixou de ser, há muito tempo, apenas de transporte público. É sobre a percepção de que, independente de quanto dinheiro tenha na conta ou quão grande seja, empresas não podem impor sua vontade, ainda mais vendendo-a como vontade de cidadãos pobres. Precisa obedecer as leis. Principalmente, quando elas dizem respeito a salvar vidas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL