Leonardo Sakamoto

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Opinião

Prefeito elege marmita e cabaré como inimigos e repete tática bolsonarista

Proibir a existência de prostíbulos, como quer o prefeito de Cuiabá, Abílio Brunini (PL), é tão factível quanto impedir, por decreto, que o sol nasça de manhã. E ele sabe disso. Apenas adota a tática de governos de extrema direita, como o de Jair Bolsonaro e o de Donald Trump, de distrair a população com polêmicas de moral e de costumes. Que é mais rápido do que resolver os principais problemas.

"Esse tipo de atividade não deve ser preservado dentro do perímetro urbano. E, se alguém estiver desrespeitando a lei nisso, a gente vai mandar fechar", disse. Foi cuidadoso e não comprou brigas com gente do agronegócio.

Prostituição está listada na Classificação Brasileira de Ocupações e não é ilegal, mas a exploração da prostituição é crime. Contudo, as nuances em relação a isso são tão complexas, que a Justiça tem decidido caso a caso. E o poder público federal tem se debruçado mais ao combate ao trabalho escravo sexual do que em fechar boates.

É incomum que isso se torne uma cruzada de um administrador de uma grande cidade, como Cuiabá. Até porque a população não coloca o tema entre os principais problemas da cidade.

Segundo pesquisa Genial/Quaest, de agosto do ano passado, o que tira o sono de 56% dos cuiabanos é a saúde pública. O prefeito tomou algumas ações na área desde que assumiu, mas a melhoria do sistema para garantir bom atendimento à população é difícil, demanda planejamento, competência, recursos e tempo. Então, surgem batalhas contra puteiros e contra a doação de comida a pobres para manter a plateia animada.

Na semana passada, ele já havia afirmado que iria interromper o programa de entrega de marmitas à população em situação de rua. E disse que a sociedade civil deve fazer o mesmo. Segundo ele, matar a fome desse pessoal desse jeito ajuda a mantê-las na rua, defendendo restaurantes populares.

A ideia é muito repetida pela turma que pratica de aporofobia, a aversão aos pobres, como bem lembra padre Júlio Lancellotti.

Tanto que a justificativa é semelhante à de uma polêmica que se estabeleceu em São Paulo, em junho do ano passado, quando a Câmara dos Vereadores aprovou em primeira votação um projeto de lei que dificultava a doação de comida a miseráveis, obrigando o cadastramento e autorização prévia de quem doa e de quem recebe.

Apesar da celebração da extrema direita, a repercussão foi muito ruim nas redes sociais e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que vetaria a proposta. O autor da ideia, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil), acabou por retirar a proposição. Em Cuiabá, a ideia também não caiu bem.

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Polêmicas ajudam a manter político em evidência

O então deputado federal Abílio Brunini elegeu-se usando o grotesco e o surreal no Congresso Nacional para chamar a atenção e se promover midiaticamente e eleitoralmente, seguindo os passos de outro parlamentar que passou três décadas fazendo isso e se tornou presidente da República.

Figura sempre presente na mídia por criar confusões em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), em reuniões ordinárias de comissões regulares e outros encontros transmitidos pela TV ou pela internet, ele conseguiu com suas intervenções criar indignação em representantes da esquerda e irritação até entre colegas da direita.

Em uma das sessões, fez um gesto interpretado como de apologia aos supremacistas brancos, provocando confusão. Em outra, foi acusado de promover transfobia.

Advertido sistematicamente, ele dava de ombros. O senador Magno Malta (PL-ES), segundo vice-presidente da CPMI dos Atos Golpistas, do mesmo campo ideológico do então deputado, chegou a repreende-lo: "Deputado Abilio! Gente, por favor! Eu tenho que gritar, é? Estou na escolinha [do Professor Raimundo]? Por favor, deputado Abilio".

O objetivo era aparecer na mídia e produzir material para as redes sociais bolsonaristas. O que importava era estar evidência, ser famoso, ser conhecido, mesmo que famoso e conhecido por ações questionáveis. E, uma vez nos holofotes da mídia, o seu discurso acaba conseguindo votos entre aqueles que se conectam aos medos e anseios que ambos promovem.

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Agora, na Prefeitura de Cuiabá, ele parece apostar na tática que o elegeu, apelando a temas de costumes e comportamentos que são caros à extrema direita, enquanto resultados em áreas críticas não aparecem. Se é que vão aparecer.

Neste mês, também sancionou lei que proíbe realização de danças com coreografias consideradas obscenas nas escolas e orienta escolas a prevenir a erotização infantil nas famílias. Isso funciona como um alerta a um naco da população, que foi doutrinado a acreditar que professores são pervertidos, de que as escolas podem se tornar boates. Mais útil seria se o debate ficasse em garantir salários e estrutura aos professores e estudantes de Cuiabá.

O irônico é que, segundo dados do Ministério da Saúde, o principal palco de abuso sexual real de crianças até nove anos é sua própria residência (71%), não a escola, e os violentadores são familiares e conhecidos (68%), não professores.

A tática foi usada por Bolsonaro durante sua gestão, tanto para se manter constantemente em evidência, quanto para desviar a atenção dos verdadeiros problemas. E mesmo nos Estados Unidos de hoje, no qual Trump aposta na enxurrada de decretos polêmicos, muitos deles que serão suspensos pela Justiça, para excitar sua base, enquanto não consegue domar a inflação e ignora políticas públicas de moradia e saúde à classe trabalhadora.

Isso se coloca como um desafio ao naco racional da sociedade: como cobrir ações vazias de candidatos e administradores públicos, mas sem dar a eles o palanque midiático que tanto querem. Enquanto isso, o grotesco e o surreal continuam tendo sucesso. E vencendo eleições. E governando.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL