Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Justiça inglesa acata ação contra mineradora por danos a quilombolas na BA 

A Justiça do Reino Unido decidiu nesta sexta-feira que a ação movida pelos quilombolas de Bocaina e Mocó, em Piatã (BA), contra a mineradora inglesa Brazil Iron pode prosseguir e ser julgada em território britânico.

A medida agradou as comunidades. "Acredito que dessa maneira será mais justo", diz a líder comunitária Catarina Silva. "Esperamos que finalmente teremos justiça por todos os impactos negativos e o desrespeito que sofremos", afirma a moradora Vanusia Santos.

A área é palco de conflitos entre os quilombolas e a mineradora inglesa por causa dos impactos das operações da empresa sobre as comunidades, como mostrou a Repórter Brasil em matéria publicada em maio de 2022. O escritório de advocacia inglês Leigh Day passou a defendê-las na Justiça após ler a reportagem.

Na ocasião, moradores afirmaram que as atividades de prospecção da mineradora teriam rachado casas, destruído roças e assoreado a nascente do córrego Bebedouro, usado para abastecimento de água na época de seca.

O processo, iniciado em outubro de 2023, engloba 103 quilombolas. A Brazil Iron contestava a jurisdição da corte inglesa para analisar o caso, sob o argumento de que o litígio deveria ser resolvido no Brasil. No entanto, os quilombolas e o escritório inglês convenceram a Justiça britânica de que o Reino Unido é o foro adequado para a ação. A empresa tem 21 dias para recorrer.

Procurada, a Brazil Iron afirma que irá recorrer da decisão e que tem convicção de que a jurisdição brasileira é "legítima e adequada" para julgar a ação. "O sistema jurídico brasileiro tem plena competência para analisar e julgar este caso, com um ordenamento jurídico robusto para questões de responsabilidade ambiental. As instituições brasileiras, incluindo o Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria Pública, o Ministério Público e outros órgãos de proteção, detêm as ferramentas necessárias para assegurar a aplicação da lei."

A mineradora diz, ainda, refutar "veementemente" as alegações, pois não teria causado danos às comunidades quilombolas. "A Brazil Iron reitera seu compromisso com a saúde e o bem-estar da população, evidenciado pela disponibilização de equipes médicas e tratamento integral gratuito para qualquer pessoa que apresentasse problemas de saúde", afirma a nota (leia a íntegra da resposta aqui).

"É essencial que as empresas britânicas sejam legalmente responsabilizadas pelos danos ambientais supostamente causados por suas operações no exterior", afirmou o advogado Richard Meeran.

Entre os argumentos apresentados pelas comunidades estavam as dificuldades de obter acesso pleno à justiça no Brasil e o fato de as empresas controladoras da Brazil Iron - Brazil Iron Limited (BIL) e Brazil Iron Trading Limited (BITL) - estarem sediadas no Reino Unido.

Durante o processo, uma liminar (decisão provisória) da Justiça inglesa determinou que representantes da mineradora não mantivessem contato com os moradores. Os advogados ingleses sustentam que funcionários da empresa teriam assediado e intimidado os quilombolas para que desistissem da ação judicial.

A ação judicial no Reino Unido corre em paralelo a outros esforços legais no Brasil. A DPU (Defensoria Pública da União) ajuizou uma Ação Civil Pública contra a Brazil Iron e a ANM (Agência Nacional de Mineração) busca uma indenização de R$ 5 milhões para as comunidades afetadas.

Explosões e poeira durante prospecção

Durante a fase de pesquisa, a movimentação de terra feita pela Brazil Iron teria assoreado uma nascente, dizem os moradores. "Eles [Brazil Iron] começaram a degradar em cima do morro e o rejeito de minério foi descendo para a nascente", detalha a líder quilombola Catarina Silva.

Continua após a publicidade

Em maio de 2022, ela acompanhou a equipe da Repórter Brasil até o local para mostrar os efeitos do assoreamento provocado pela mineração, como retrata o vídeo a seguir. O problema também foi constatado pelo departamento técnico do Inema, órgão ambiental do governo baiano, e utilizado como uma das justificativas para a interdição das atividades da Brazil Iron em abril de 2022.

Além da nascente assoreada, os quilombolas se disseram afetados de outras maneiras durante os anos em que a mineradora inglesa realizou perfurações e explosões para pesquisar a existência de minério na região.

As comunidades reclamavam do barulho provocado pelo uso de dinamites, das rachaduras nas paredes das casas e da poeira excessiva gerada pela movimentação de caminhões — o que teria provocado problemas respiratórios em algumas pessoas.

Quando estavam em Piatã, os jornalistas da Repórter Brasil foram até a sede da empresa para solicitar uma entrevista com algum porta-voz da mineradora sobre as queixas dos moradores.

No entanto, em vez de conversar com a equipe de reportagem, o então gerente de logística e atual vice-presidente da Brazil Iron chamou a polícia. O episódio provocou protestos de diversas entidades, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).

Continua após a publicidade

Depois dessa tentativa de intimidação, o Inema, órgão ambiental baiano, fiscalizou as instalações da mineradora e decidiu interditá-la. A medida foi justificada por ao menos 15 irregularidades, como a não previsão de recursos para a recuperação das casas rachadas na comunidade.

'Mineradoras controlam tudo que acontece na Bahia'

Segundo o advogado Jonny Buckley, do escritório Leigh Day, que representa as comunidades no processo, a ação corre na Justiça da Inglaterra porque as empresas controladoras da Brazil Iron estão sediadas naquele país.

"Elas controlam o que acontece na Bahia", entende. Outro motivo, de acordo com Buckley, é a dificuldade de os quilombolas conseguirem acesso à Justiça no Brasil. "São comunidades rurais e remotas, e a mineradora tem muito poder, pois é a principal fonte de renda da região", avalia.

Duas quilombolas, Ana Joana Bibiana Silva e Leonísia Maria Ribeiro, entrevistadas pela Repórter Brasil em 2022, morreram nesse intervalo de tempo sem acesso a nenhum tipo de indenização. "Essas bombas do minério estrondam a casa todinha. Tem hora que até as coisas da casa a gente vê sacudindo. Eu estou com medo dela [a casa] cair. Eu tenho imaginação de estar dormindo e uma hora a casa despencar de vez", contou Leonísia, enquanto mostrava as rachaduras na parede.

A mineradora Brazil Iron é a subsidiária brasileira da holding inglesa Brazil Iron Trading Limited. Fundada após a aquisição de direitos minerários na Chapada Diamantina, em 2011, a empresa tem 45 pedidos de pesquisa mineral protocolados na ANM, espalhados por vários municípios da região.

Continua após a publicidade

Antes da interdição pelo Inema, a companhia tinha autorização para extrair 600 mil toneladas de minério por ano, ainda no estágio de pesquisa e exploração. "Foge do razoável esse tipo de ação, uma vez que a mineradora está sem operar há mais de um ano", disse a empresa em nota, quando foi questionada em 2023 a respeito do processo movido pelo escritório inglês.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.