Leonardo Sakamoto

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Opinião

PM infla público para evitar que ato esvaziado frustre anistia de Bolsonaro

Bolsonaro e aliados convocaram, para a manhã de hoje, o que era para ser um enorme ato a fim de defender a anistia aos golpistas. O baixo comparecimento (cerca de 18,3 mil almas) na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, reduz a pressão sobre o Congresso Nacional para aprovar o projeto que pretende perdoar quem tentou transformar o Estado democrático de Direito em geleia.

Os números são do Monitor do Debate Político, que antes estava ancorado na Universidade de São Paulo e, agora, mudou-se para o Cebrap, um dos mais importantes centros de pesquisa brasileiros, e a ONG More in Common. Para efeito de comparação, na micareta de 7 de setembro de 2022, também em Copacabana, quando Bolsonaro transformou as celebrações do Bicentenário da Independência em seu comício eleitoral, o mesmo Monitor calculou 64,6 mil manifestantes.

Não adianta a Polícia Militar do Rio de Janeiro, sob a batuta do governador bolsonarista Cláudio Castro, inflar descaradamente os números ao afirmar que mais de 400 mil pessoas acompanharam o ato. Qualquer criança saberia, olhando as imagens, que nem contando todos os banhistas do Leme ao Arpoador se chegaria a esse tanto.

Manifestação com Bolsonaro em Copacabana pela anistia dos condenados pelo 8/1
Manifestação com Bolsonaro em Copacabana pela anistia dos condenados pelo 8/1 Imagem: Giorgio de Luca/Entre Nuvens

Imagens aéreas mostram que o ato ocupou a Avenida Atlântica entre os hotéis Pestana e o Othon. Nessa extensão, toda a faixa que vai da calçada dos prédios até o calçadão da praia, mais um pequeno trecho de areia que foi ocupado na frente da rua Bolívar, a área total da manifestação não chega a 20 mil metros quadrados, segundo medição feita pela repórter Amanda Rossi, do UOL, usando o Google Earth.

Assim, para que coubessem 400 mil pessoas nesse espaço, seria preciso que houvesse mais de 20 pessoas por metro quadrado.

Há deputados e senadores que contam lorotas e meias verdades para influenciar os eleitores, mas a maioria racional deles usa fatos concretos para tomar suas próprias decisões. E as imagens deste 16 de março não mentem, o ato foi menor do que Bolsonaro esperava.

A oposição diz que já tem votos suficientes para aprovar a anistia na Câmara dos Deputados. No Senado, ainda vai ter que lutar. Com a baixa pressão que veio das ruas, terão que lutar dobrado.

Vale lembrar que, mesmo se o Congresso aprovar a ideia e, depois, derrubar o provável veto de Lula, e a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal aceitarem essa loucura, ainda Bolsonaro vai precisar de outro milagre para estar com a cara estampada nas urnas eletrônicas que ele tanto odeia em 2026.

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Afinal, ele está inelegível até 2030 por causa de duas condenações do Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder —incluindo a micareta em Copacabana em 2022. Então, terá que ver esquartejada a Lei da Ficha Limpa. Ou seja, terá que lutar pela impunidade da corrupção política no país. Não que não tenha o apoio de muito parlamentar, mas há certas coisas que são mais complicadas porque pegam mal. Mesmo no Brasil.

É cedo para dizer que isso significa uma perda de influência de Bolsonaro para convocar grandes manifestações. Uma pauta como anistia, ou seja, perdão por um crime, é algo que empolga menos do que uma agenda de crítica e de batalha. Se o ato fosse apenas pelo impeachment de Lula, talvez houvesse mais pessoas que desencanariam do domingo de sol e vestiriam o uniforme da CBF.

"A confusão na convocação se o ato incluiria ou não o impeachment, se ela seria só no Rio, se ela seria descentralizada, com idas e vindas, pode ter comprometido o poder de convocação. O processo de mobilização deles é bastante oscilante, mesmo se olharmos para as manifestações anti-Dilma, elas oscilaram bastante", afirma Pablo Ortellado, professor de políticas públicas da USP e um dos coordenadores do levantamento.

Esse número baixo não é necessariamente um atestado de que o bolsonarismo perdeu o poder de mobilização. Teríamos que observar três ou quatro manifestações com esse nível mais baixo para afirmarmos isso
Pablo Ortellado, professor de políticas públicas da USP

Mesmo com a baixa popularidade de Lula, a questão para os congressistas é: vale a pena lutar pela anistia de uma pessoa, com risco de se queimar junto à opinião pública, se nem os seguidores dela se mostram empolgados de fazer o mesmo?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL