Bolsonaro faz show de ilusionismo para país ignorar golpe e aceitar anistia

Ler resumo da notícia
Falta um ato de sacrifício pessoal para que o ex-presidente Jair Bolsonaro prove que é sincera a sua defesa de anistia para a turba de extrema direita que participou dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Incluir em todos os projetos que tramitam no Congresso Nacional uma cláusula que impeça alguém condenado como líder de qualquer ato ou plano golpista entre 2022 e 2023 de receber perdão ajudaria nesse sentido.
A anistia ou um projeto de redução de pena seriam, assim, politicamente mais palatáveis. Até lá, a defesa que ele faz dos seus seguidores é apenas oportunismo.
Enquanto centenas de bolsonaristas atacaram as sedes dos Três Poderes, para tentar forçar uma intervenção das Forças Armadas, Bolsonaro estava cavalgando um álibi planejado nas cercanias da Disney. Agora, ele vem usando novamente o seu rebanho, com foco nos bolsonaristas condenados naquele episódio, para seus interesses pessoais.
Neste domingo, por exemplo, pediu a pastores e padres para orarem pelo que chamou de "presos políticos" que vêm sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal e "tratados injustamente como criminosos".
O bolsonarismo vem adotando a mesma tática usada por empregadores flagrados com trabalho escravo. Estes recebem um pacote de autuações. À imprensa, choram dizendo que foram tratados como escravagistas porque faltou banheiro na frente de trabalho ou por conta da ausência de copos para beber água. Mas o que caracterizou o crime foram os autos dos quais eles não falam, como vigilância armada para impedir fugas, violência física para garantir a ordem, dívidas fraudulentas para manter pessoas cativas.
Da mesma forma, pichação de estátua ou roubo de exemplar da Constituição são crimes com penas que nem dariam cadeia se analisados isoladamente. Esses atos só provam que essas pessoas estavam cometendo outros crimes ao participar dos atos golpistas, como dissolução violenta do Estado democrático de direito e organização criminosa. Estes sim dão anos de xilindró.
O grande show de ilusionismo tanto nos casos de trabalho escravo quanto na tentativa de golpe de Estado é fazer uma parte da população, e até dos jornalistas, acreditar que a punição é por algo quando, na verdade, é por outra coisa.
Bolsonaro também diz que o 8 de janeiro de 2023 não teve caráter golpista porque foi organizado por "senhorinhas com uma Bíblia debaixo do braço e senhorzinhos com a bandeira do Brasil nas costas". Podíamos citar vários, mas vale lembrar o caso de Fátima Mendonça Jacinto Souza, a Dona Fátima de Tubarão.
Exaltada em um vídeo gravado pelos próprios golpistas por estar "quebrando tudo", ela é uma das acusadas. Antes do envolvimento nos atos golpistas, já havia sido condenada por tráfico de crack, usando jovens menores de idade, em 2014. Também tentou fraudar o INSS e usou documentos falsos. Nas redes, atacava o sistema eleitoral. Era chamada de exemplo de uma mulher de bem.
À medida que se aproxima o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado pela Procuradoria-Geral da República como o líder da conspiração, a campanha de desinformação e a violência tendem a crescer. O mais preocupante é que o acirramento dos ânimos, ao que tudo indica, não é algo orgânico que brota de indignação, mas devidamente semeado por lideranças para colher o caos. E, dessa forma, tentar atrasar, interferir ou deslegitimar os julgamentos dos 34 da cúpula do golpe que devem virar réus.
Nos últimos dias, vimos uma ação coordenada nas redes contra as jornalistas Gabriela Biló e Thaísa Oliveira, do jornal Folha de S.Paulo, com ameaças de morte e até ataques a parentes, após o julgamento de uma das denunciadas. A turba começou um linchamento público embasada na mentira de que as jornalistas foram as responsáveis pela punição sofrida pela mulher simplesmente porque registraram os atos golpistas no jornal.
Diante disso, fez bem o Supremo Tribunal Federal, que suspendeu outros julgamentos de bolsonaristas para evitar ruídos na análise do caso próprio Jair, que pode se tornar réu nesta terça. Pois tudo agora será motivo para bater na Justiça.
Bolsonaro inaugurou a defesa pública da anistia em nome dos "pobres coitados do 8 de janeiro" no ato de 25 de fevereiro de 2024, na avenida Paulista. Usando a solidariedade aos seus seguidores como justificativa, defendeu, na prática, um projeto de lei que pode beneficiá-lo.
"Uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação!", pediu o ex-presidente, o último a discursas em cima do trio elétrico para uma multidão de seguidores. Ele pediu para que os deputados bolsonaristas presentes no ato, tocassem a proposta no parlamento, demonstrando o medo que ele está de ir para o xilindró.
Ele, mais de uma vez, disse que não quer anistia para si mesmo. Se fala de forma sincera, o bolsonarismo no Congresso Nacional precisa urgentemente colocar por escrito isso no projeto: que não vale para todo mundo.
Ou trocar a proposta por uma que reduza o tempo de pena apenas dos executores do 8 de janeiro. Com isso, a chance de a proposta ser aprovada no Senado cresce e pode enfrentar menos resistência.
Caso contrário, será mais uma vez em que o ex-presidente usou seu rebanho para se safar.