Leonardo Sakamoto

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Opinião

Lula lidera entre empreendedores, mas CLT descontente é risco para 2026

Desde que o governo começou a sangrar aprovação, uma cantilena vem sendo repetida: Lula precisa aprender a dialogar com os empreendedores, cujo descontentamento seria um dos motivos da queda. Mas a última pesquisa Datafolha relativiza isso ao apontar que a intenção de voto em Lula é maior nesse grupo do que junto ao pessoal CLT. Se o governo quiser mudar sua imagem visando à eleição, precisa se atentar a isso.

No cenário principal avaliado pelo instituto, o presidente enfrenta nomes como os dos governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), Eduardo Leite (PSDB) e Ronaldo Caiado (União Brasil), do ex-governador Ciro Gomes (PDT) e do empresário Pablo Marçal (PRTB). Ostenta, na média geral, 35% de intenções, frente a 15% do segundo colocado, Tarcísio. A margem de erro geral é de dois pontos.

Considerando apenas a população economicamente ativa (PEA), o resultado é 33% a 16%. Lula tem 27% entre os que possuem carteira assinada e Tarcísio, 17%. Já entre os autônomos, profissionais liberais, free lancers e quem vive de bicos, em que se encaixam advogados e médicos, mas também muitos dos trabalhadores precarizados, como entregadores, Lula tem 34% e Tarcísio, 18%.

Num segundo turno, Lula tem 48% quando o adversário é Tarcísio, que ostenta 39%. Considerando a população economicamente ativa, o resultado é 46% a 41%. Só assalariados CLT: Tarcísio, 43%, e Lula, 39%. E só autônomos: Lula 46%, Tarcísio, 41%.

Num cenário hoje impossível com Jair Bolsonaro, dado à sua inelegibilidade devido à condenação por abuso de poder político e econômico nas eleições, Lula teria 36% e o ex-presidente 30%, na média geral, e 34% e 31%, respectivamente, na PEA. Junto aos CLTs, Bolsonaro tem 34% e Lula, 27%, mas entre os autônomos, Lula tem 34% e Bolsonaro, 32%.

Lula o venceria por 49% a 40%, no segundo turno, na média geral, e faria 47% a 42%, junto à PEA. Mas perderia de 47% a 40% entre os CLT e ganharia de 50% a 42% junto aos autônomos. As margens de erro aumentam quanto menor for o grupo analisado, mas o que importa aqui é a persistência do resultado geral.

Não é de hoje que há uma insatisfação com a qualidade de vagas oferecidas com carteira assinada, muitas das quais pagam pouco, exigem longas jornadas e oferecem um ambiente insalubre de trabalho. O problema do achatamento salarial não é da CLT, que garante o mínimo de dignidade previsto no artigo 7º da Constituição Federal aos trabalhadores, mas de empregadores e setores que pagam pouco e cobram muito. Mesmo assim, a CLT leva a má fama.

Entre os trabalhadores assalariados com registro, há aqueles insatisfeitos que gostariam de mais qualidade de vida do que aquilo que alcançaram até agora e que, portanto, desejam mudanças. O IBGE aponta que a economia cresceu, o desemprego está na sua mínima desde o início da série histórica, em 2012, e a renda média do trabalho aumentou, mas como dizia Maria da Conceição Tavares, o povo não come indicadores. Então, o governo está devendo na sensação de bem estar.

É natural que em momentos de retomada econômica, as primeiras vagas oferecidas sejam sem registro, passando depois para aquelas com carteira assinada, mas com salários mais baixos e, depois, eles aumentem. Mas há determinados setores, recheados de trabalhadores da base da pirâmide, que parecem ter cristalizado a baixa remuneração e alta cobrança, como os que contratam atendentes de telemarketing, funcionários em bares e restaurantes, entre outros. Enquanto isso, salários dos mais escolarizados realmente crescem e mascaram, pela média, a realidade do grupo mais vulnerável, E isso gera ranger de dentes.

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Inflação, principalmente dos alimentos, ajuda a explicar por que o já baixo salário vai ficando menor a cada mês. Daí, a pergunta: de que adianta um emprego que carregue minha aposentadoria no futuro se eu não consigo viver o meu presente? E considerando que ganho pouco mesmo, qual a diferença de eu receber uma aposentadoria de um salário mínimo e não um BPC?

Garantir proteções sociais para o grupo de trabalhadores que não quer emprego fixo, ouvindo-os para as suas demandas (por exemplo, valor mínimo de entrega e respeito às horas logadas, no caso de entregadores) e não impondo modelos antigos que não respondem às suas necessidades, é fundamental. Tanto quanto fomentar o empreendedorismo de fato, com crédito barato e sem burocracia e capacitação para quem quer começar um negócio.

Não à toa setores que pagam pouco e exigem muito batem de frente com a ideia de fim da escala 6 x 1 e a garantia de dois dias de descanso por semana, por alguns chamada de 5 x 2, por outro de redução da jornada de 44 para 40 horas.

Reduzir aquilo que morde o salário de um lado e garantir mais horas para a vida pessoal de outro pode ajudar a melhorar a percepção. Mas se o governo ignorar a insatisfação de quem tem carteira assinada devido às condições de trabalho, imaginando que todos eles estarão gratos a Lula por terem conseguido um emprego, vai ter uma ingrata surpresa em outubro de 2026.

Em tempo: No grupo assalariados sem registro, Lula tem 40% e o segundo colocado, Ciro Gomes, 11%. Lula também ficaria à frente no cenário com Bolsonaro por 40% a 28%. Neste grupo, em que mulheres representam 62% e homens, 38%, estão boa parte das trabalhadoras empregadas domésticas, população historicamente vulnerável e que depende muito de políticas públicas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL