Leonardo Sakamoto

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Opinião

Espionagem bolsonarista produziu lista de alvos que ainda é um mistério

O depoimento do atual diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Luiz Fernando Corrêa, e do ex-número 2, Alessandro Moretti, nesta quinta, mostra que a investigação da Polícia Federal sobre o uso ilegal do órgão durante o governo Bolsonaro segue viva. O que é um alento, pois a máquina bolsonarista de arapongagem foi um dos maiores escândalos de uma República já acostumada com barafundas. Mas a lista completa de alvos segue um mistério.

Claro que a investigação ocorre também em meio a uma disputa entre a Abin e a PF, prova disso foi o quiproquó envolvendo a revelação da espionagem dos paraguaios sobre Itaipu Binacional. E há indícios de que estruturas que operavam às sombras antes continuariam sendo protegidas no governo Lula. Mesmo assim, os órgãos de fiscalização e controle devem uma resposta ao país sobre quem foi ilegalmente monitorado e o porquê.

Mais de 30 mil monitoramentos ilegais teriam sido realizados pelo governo Jair Bolsonaro. Entre eles, estariam governadores, parlamentares, jornalistas, advogados e até pessoas do entorno dos filhos do ex-presidente, que tiveram seus deslocamentos monitorados pelo software israelense First Mile.

Entre os alvos da Abin Paralela, estão os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, do STF, os então presidentes da Câmara, Rodrigo Maia e Arthur Lira, os então deputados Joice Hasselmann e David Miranda e o deputado Kim Kataguiri, os senadores Renan Calheiros, Alessandro Vieira, Omar Aziz e Randolfe Rodrigues, o ex-deputado Jean Wyllys, o então governador João Doria, os jornalistas Glenn Greenwald, Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista, a promotora Simone Sibilio (que esteve à frente das investigações do assassinato de Marielle Franco), o líder caminhoneiro Carlos Dahmer, o então chefe de fiscalização do Ibama Hugo Loss, os auditores da Receita Federal Christiano Botelho, Cleber da Silva e José Barros Neto.

Mas isso ainda não esgota a relação completa, ainda desconhecida. A obtenção de todos os nomes depende de identificação e do cruzamento dos números de celulares grampeados. O levantamento do sigilo de todos os dados depende de decisão do STF.

Bolsonaro, que já havia instalado o gabinete do ódio nas dependências do Palácio do Planalto a fim de atacar adversários e jornalistas, ao que tudo indica criou também uma estrutura muito pior, que atropelava garantias constitucionais e liberdades individuais, esvaziando a privacidade e fazendo arapongagem na vida pessoal e profissional de milhares de brasileiros.

Isso mostra o comportamento de um governante de Estado autoritário, que vigia a tudo e a todos para garantir a sua perpetuação no poder. Quando ele ainda era candidato à Presidência da República, em 2018, os que tinham apreço pela democracia avisaram que ele dobraria as instituições do Estado brasileiro às suas próprias necessidades.

Quem diria que, perdendo a eleição, ele tentaria um golpe de Estado, não é mesmo?

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, isso ficou explícito. "Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", disse ele.

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Bolsonaro queria Alexandre Ramagem como diretor da PF. O então ministro da Justiça e Segurança Pública, e hoje, senador, Sergio Moro acabou pedindo demissão ao bater de frente com ele por conta disso. Ramagem, hoje deputado federal, acabou sendo alocado como diretor-geral da Abin e teve um papel relevante nos planos golpistas.

No ano passado, o então presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, pediu a lista dos parlamentares espionados. O grupo Prerrogativas, de advogados e juristas, enviou uma petição ao STF demandando a publicização dos nomes dos que foram alvos de espionagem ilegal. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) também pediram acesso às informações, destacando possível violação do sigilo da fonte, um direito constitucional.

O vereador Carlos Bolsonaro é um dos investigados por suspeita de ser beneficiário de espionagem. Ele usou o conteúdo para bater em alvos usando o gabinete do ódio? Quantos dossiês de adversários e de aliados teriam sido produzidos durante o governo Bolsonaro e quantos ainda estariam em poder do ex-presidente e de seus filhos?

Uma punição da Justiça pelo esquema de espionagem pode levar anos e até não atingir Jair, sob a justificativa farsesca de que ele não pediu nada ou não sabia. Enquanto isso, é constrangedor ouvir o silêncio dos próprios bolsonaristas que, segundo as investigações, também foram espionados pela Abin Paralela.

É necessário aprofundar as investigações não apenas para outras formas de espionagem pela Abin (o First Mile não era o único programa espião disponível no mercado que chamou a atenção do governo passado), mas também por outras instituições que podem ter sido usadas pelo bolsonarismo, como a Receita Federal. E que a lista completa dos nomes venha a público.

O Brasil não pode seguir o mau exemplo de países que espionam seus cidadãos ilegalmente e fica por isso mesmo, como os Estados Unidos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL