Bolsonaro se pirulitou para a Hungria antes de o Brasil acolher ex do Peru
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A fuga do Brasil já era uma das opções do ex-presidente Jair Bolsonaro em caso de futura condenação por golpe de Estado muito antes de o governo Lula ter concedido asilo à ex-primeira-dama do Peru Nadine Heredia. A Justiça do seu país a condenou e a seu marido, o ex-presidente Ollanta Humala, a 15 anos de prisão por corrupção.
Em entrevista a Jamil Chade, do UOL, o chanceler Mauro Vieira disse que o critério foi humanitário e seguindo as convenções internacionais. Particularmente, acho esse acolhimento um erro, ainda mais porque envolve a Odebrecht. Mas para a discussão sobre o uso do asilo no caso de Bolsonaro, as razões dele importam pouco, na minha avaliação. Porque o ex-presidente já havia mostrado que se tiver que fugir, vai dar um jeito, não importa como.
Em entrevista a Raquel Landim, também do UOL, ele disse, em novembro do ano passado: "Embaixada, pelo que vejo na história do mundo, quem se vê perseguido, pode ir para lá".
E ele foi. Diante da apreensão de seu passaporte em 8 de fevereiro do ano passado, em meio a uma operação da PF sobre a tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente dormiu na Embaixada da Hungria, governada pela extrema direita de Viktor Orbán, entre 12 e 14 de fevereiro.
Considerando que ele não estava atrás de um bom prato de goulash húngaro e nem de um Airbnb de luxo, o "mito" se muquiou com medo de um desdobramento da operação da Polícia Federal o levar para o xilindró. Na prática, houve um pocket asilo a Bolsonaro, um test drive de fuga, uma vez que terreno de embaixada conta, por convenções internacionais, com imunidade.
Além disso, Bolsonaro se escafedeu do país, em 30 de dezembro de 2022, antes mesmo de terminar o seu mandato. Diz que foi para não passar a faixa presidencial, mas o plano golpista, que, segundo a denúncia, envolveu de minuta de golpe até esquema para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, revela que ele tinha razão para temer ficar no Brasil e ser preso.
Com o retorno de Donald Trump ao poder, ele poderia pedir asilo político aos Estados Unidos, sob a justificativa de "comandar a resistência" direto de Orlando, na Flórida. A falta de passaporte é o de menos, há outras formas de fugir do país caso necessário seja, ainda mais com alguém com recursos financeiros e políticos para tanto, como ele mesmo já deixou claro. Ir para o Paraguai e Argentina e, de lá, para os EUA, por exemplo.
E Bolsonaro pode ficar tranquilo, pois o governo brasileiro sob Lula nunca invadiria território protegido por convenções internacionais como fez Daniel Noboa do Equador. Atropelando as convenções internacionais, a polícia equatoriana entrou, em 5 de abril de 2024, na Embaixada do México, em Quito, onde estava refugiado o ex-vice-presidente Jorge Glas, e o prendeu.
O empresário-presidente, eleito e reeleito, que governa à direita, tentou justificar o injustificável dizendo que o asilo concedido a Glas é ilegal uma vez que ele foi condenado a seis anos de prisão por corrupção. Na prática, é como se território soberano de outro país tivesse sido invadido por um governo que se diz amigo. Com isso, o México cortou relações diplomáticas com o Equador e o Brasil condenou veementemente a agressão. Lula, inclusive, declarou solidariedade a Andrés Manuel López Obrador, presidente do México.
Ironicamente, o Equador teve a inviolabilidade de sua embaixada em Londres respeitada enquanto deu refúgio ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, entre 2012 e 2019. A polícia do Reino Unido entrou no local somente com autorização do presidente equatoriano Lenín Moreno, que suspendeu o asilo dado por seu antecessor, Rafael Correa, alegando que o jornalista desrespeitou os termos acordados para a sua permanência na embaixada.
A retirada do asilo colocou em risco a vida de Assange, pois os Estados Unidos procuravam vingança desde que ele divulgou os esquemas de espionagem global do governo norte-americano. A decisão de Moreno foi péssima, mas, ainda assim, o Reino Unido não invadiu a Embaixada do Equador ao contrário do que o Equador fez agora com a Embaixada do México.
Mesmo a opção de negar a Bolsonaro um salvo-conduto para deixar uma embaixada e pegar um voo não é lá muito provável. Deixar que ele fique meses ou anos muquiado em Brasília transformaria o local em alvo de peregrinações de aliados e fãs, causando tumultos e fomentando novos golpes. Ou seja, para o Brasil, melhor seria mais lógico deixá-lo ir embora.
Vale lembrar que, se for preso, ele será um ativo para a extrema direita, um mártir. Contudo, se fugir, pode ser tachado de covarde. Ele tem alguns meses para pensar se prefere sua liberdade ou seu legado.
Por fim, ser preso é uma coisa, ficar na cadeia é outra. A aprovação de um projeto de anistia no Congresso é possível, mas vai esbarrar no STF. Já a eleição presidencial de 2026 pode ajudar Bolsonaro, a depender do resultado. O que leva a ele uma segunda ponderação: vale mais a pena empurrar um de seus filhos para concorrer ao Palácio do Planalto, e tentar manter o controle do poder, ou abençoar um aliado mais competitivo, e transferir de vez a liderança da direita no país?