Leonardo Sakamoto

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Opinião

Protestos mostram que mundo não assistirá calado à ascensão do fascismo

Milhares de pessoas foram às ruas em diferentes partes do mundo para protestar contra medidas autoritárias, discursos de ódio e o avanço de políticas de extrema direita. De Londres a Nova York, passando pela Turquia, a mensagem é a mesma: a sociedade não permitirá que direitos conquistados a custo de suor e sangue desapareçam. E a mesma internet que ajudou a disseminar o fascismo e a ultradireita também está sendo usada como ferramenta de resistência.

Em Londres, manifestantes tomaram as ruas, neste sábado (19), após uma decisão da Suprema Corte britânica que restringiu direitos de pessoas trans, pauta frequentemente instrumentalizada por grupos conservadores e extremistas. Os protestos mostram que a população não aceitará passivamente políticas que marginalizem minorias — um dos primeiros passos de regimes autoritários.

Já em Nova York, Washington DC, entre outras cidades norte-americanas, milhares gritaram "Não nos esconderemos!" em resposta às políticas xenófobas implementadas pelo governo Donald Trump e ao aumento do discurso de ódio que ecoa nos Estados Unidos sob nova administração. A mobilização lembra os protestos históricos pelos direitos civis na década de 1960 e serve como um alerta. Uma parte da sociedade está vigilante e disposta a confrontar tentativas de normalizar a exclusão e o autoritarismo.

Na Turquia, o governo de Recep Tayyip Erdogan — acusado de adotar medidas cada vez mais autoritárias — iniciou um julgamento em massa contra manifestantes que protestaram contra políticas repressivas e a prisão de adversários. A perseguição a opositores é um sinal clássico de regimes que buscam silenciar dissidências, mas a resistência mostra que vai ser difícil calar uma multidão.

No final de março, centenas de milhares se reuniram em Istambul contra a prisão do prefeito Ekrem Imamoglu, ameaça eleitoral para Erdogan. Apesar de pacíficos, os protestos foram reprimidos pelas forças de segurança, que prenderam quase duas mil pessoas. Você talvez não se lembre disso, mas certamente vai recordar de uma pessoa fantasiada de Pikachu correndo da polícia turca em meio a gás lacrimogênio.

Se, por um lado, a internet foi usada para disseminar desinformação, teorias da conspiração e discurso de ódio, alimentando a ascensão da extrema direita, por outro, ela também pode ser uma ferramenta crucial para organizar protestos, denunciar abusos e unir movimentos globais. Redes sociais, aplicativos de mensagem e plataformas de vídeo permitem que ativistas exponham violações de direitos humanos, coordenem manifestações e espalhem mensagens de resistência em tempo real.

A diferença entre o passado e o presente é que, hoje, a opressão não passa impune: cada ataque a minorias, cada gesto autoritário, é imediatamente documentado e combatido por uma rede global de pessoas dispostas a lutar.

Alguns podem dizer que esse filme já passou antes, quando, em 2011, praças e ruas ficaram cheias pelo mundo, da Primavera Árabe aos protestos contra as medidas de autoridade econômica na Europa do Occupy e dos indignados da Espanha. Ou mesmo nos anos seguintes quando, em 2013, jovem saíram às ruas no Brasil pedindo a redução da tarifa e exigindo políticas públicas. Esses mesmos dirão que esses atos levaram exatamente ao recrudescimento da extrema direita.

É uma forma simplista de ver as coisas, encarando a História com um novelo que se desenrola em linha reta e sentido único, que ignora que há uma geração formada nesse caldo que abraça direitos fundamentais, que combate mudanças climática, que não aceita a superexploração do trabalho. Uma geração que ocupou escolas e foi às ruas, ainda em 2015, quando retrocessos sobre o direito ao aborto estavam postos à mesa.

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Da mesma forma muitos políticos ainda hoje não entendem como atos organizados em protesto à extrema-direita ganham vida sem serem necessariamente convocados por partidos e sindicatos, mas de forma descentralizada, brotando da insatisfação social e da persistência de atos autoritários. Entendê-los é fundamental exatamente para que partidos e sindicatos não fiquem para trás.

Ver que milhares estão gritando plenos pulmões traz uma lufada de esperança. Talvez uma nova geração, auxiliado pelas trocas de conexões possibilitadas pela tecnologia, faça a diferença de uma forma que os que vieram antes ainda não conseguiram. Essa juventude não alimenta apenas as fileiras da extrema direita, ela também é o antídoto a elas.

Essa geração não brotou de forma espontânea. Também são filhos e netos de mulheres ou casais LGBTQI+ que conquistaram direitos e, agora, não aceitam uma volta ao passado. Ou seja, o retorno a uma sociedade de obediência aos homens e suas necessidades.

Os protestos em Londres, Nova York e Turquia são apenas exemplos de um movimento maior. A história mostra que o fascismo avança quando a sociedade se omite, mas o mundo de hoje parece decidido a não repetir os erros do século 20, quando muitas pessoas de boa fé acreditaram erroneamente que democracias eram grandes demais para cair. E que atrocidades como campo de concentração eram impossíveis.

A internet, que usada para semear ódio com a complacência gananciosa de seus donos bilionários e seus algoritmos, também pode ser usada para plantar resistência. E, enquanto houver gente nas ruas, a escalada autoritária não será tranquila nem silenciosa. Desta vez, um novo Hitler não nascerá tão facilmente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL