Leonardo Sakamoto

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Opinião

Trump vai flertar com golpe de Estado se atropelar a Suprema Corte dos EUA

Donald Trump vem desrespeitando decisões judiciais contrárias à sua política de deportação. O caso mais evidente envolve um residente legal dos Estados Unidos enviado para El Salvador como criminoso por engano e que o governo se nega a trazer de volta. Em meio à polêmica, a Suprema Corte suspendeu, neste sábado (19), a deportação de venezuelanos acusados pelo governo de fazerem parte de gangues. A ver se o presidente vai cumprir a decisão.

A questão vai muito além da acusação criminal de desacato ao qual funcionários públicos e o próprio presidente estão sujeitos. Abre a discussão sobre um possível confronto constitucional entre a Casa Branca e a Suprema Corte e as repercussões disso para os EUA e o mundo.

Trump pode estar esticando a corda apenas para produzir mais fumaça e manter a plateia entretida enquanto torce para que suas políticas produzam um duvidoso efeito positivo na economia? Sim. Mas o custo da estratégia pode ser muito alto.

Em tempo de conflito, presidentes dos Estados Unidos já bateram de frente com a Suprema Corte, como Abraham Lincoln, no início da Guerra Civil, em 1861, Franklin Roosevelt, na Segunda Guerra Mundial, em 1942, e George W. Bush, após o 11 de setembro de 2001. Mas os presidentes acabaram cedendo ou a corte chancelou a decisão do Executivo.

Um exemplo envolvendo o próprio Trump ocorreu em seu primeiro mandato, quando ele baixou um decreto proibindo a entrada de cidadão de alguns países de maioria muçulmana. A decisão foi suspensa por juízes federal, que foram ignorados pelo governo. Até que, em junho de 2018, a Suprema Corte, por 5 a 4, deu ganho de causa a Trump.

Uma coisa é a maioria da cúpula do Poder Judiciário norte-americano estar alinhada a Trump em um rosário de temas conservadores, outra é ela aceitar que o presidente pode desrespeitar decisões tomadas por ela mesma. Seria o equivalente aos nove ministros darem um pescotapa em si mesmos (procurei uma comparação mais ridícula que a do tiro no próprio pé, pois este pode ser involuntário).

Quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques ocupando cidades. Mas o uso de tropas é desnecessário. Para um golpe, basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis. Caso Trump atropele a Suprema Corte, os Estados Unidos estarão entrando em território desconhecido e perigoso.

Para a economia, significa que não vai mais existir segurança jurídica para fazer negócios nos EUA, o que significa fuga e investimentos e parcerias, desemprego, crise, enfim, o combo desgraça que todos conhecem. Para a democracia, é o primeiro passo para a instalação de um regime autoritário.

Conhecemos bem esse roteiro porque tivemos um presidente que ameaçou sistematicamente descumprir decisões judiciais da Suprema Corte, apesar de não ter tido coragem para isso. Mas que, no apagar das luzes de seu governo, planejou e pôs em curso uma tentativa de golpe de Estado.

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Às vezes, democracias morrem em silêncio, sem um único tiro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL