Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

E se o próximo papa fosse brasileiro? E progressista? E da Amazônia?

(Qualquer semelhança apontada entre esta peça de ficção que usa fatos e pessoas reais é mera intriga de leitor desocupado.)

Setores da Igreja Católica e de denominações evangélicas, além de ruralistas, agendaram protestos em todo o país para a próxima segunda (22), quando o papa Francisco 2º chega ao Rio de Janeiro em sua primeira visita desde que se tornou sumo pontífice.

Natural de Araci, na Bahia, José Ionilton Lisboa de Oliveira tornou-se o primeiro papa brasileiro. Escolheu o nome como uma afirmação simbólica de compartilhamento da visão de mundo de seu antecessor.

Como ele não fazia parte do colégio cardinalício, foi uma surpresa para os que lotavam a praça São Pedro no dia 13 de maio. Apesar do código canônico prever que qualquer católico possa ser escolhido por aclamação, nem o mais insano londrino apostaria uma libra na escolha do bispo de Marajó e presidente da Comissão Pastoral da Terra, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A comissão, ligada aos movimentos sociais e a comunidades de base, que denuncia a violência contra os excluídos e marginalizados do campo, tem sido perseguida por grupos da igreja, tal como a Teologia da Libertação - grupo da qual fazem parte muitos de seus membros. Agora, ela ascende ao poder.

"Não tenho o que dizer. Simplesmente minhas mãos quiseram escrever o nome dele e assim o fiz", explica um cardeal que não quis se identificar na época do conclave.

Em quatro meses de papado, Francisco 2º criou inimigos. Devolveu as obras de artes do Museu Vaticano para os seus países de origem, e as que foram produzidas por encomenda de seus antecessores vão a leilão pela Sotheby's até o final de 2025, quando estima-se que o inventário esteja pronto.

Os recursos oriundos da venda das obras e do ouro das igrejas serão destinados ao combate à fome através da aquisição de terras cultiváveis e sua distribuição aos trabalhadores para a produção de gêneros alimentícios.

O arcebispo de Bolonha, o progressista cardeal Matteo Zuppi, durante um encontro com seminaristas na semana passada, protagonizou uma cena inusitada quando foi informado sobre o boato da venda, por parte de Francisco 2º, de boa parte dos imóveis da igreja. Um dos interlocutores achou estranho a gargalhada longa e sem explicação de Matteo. Especula-se que o papa deva destinar parte do bilionário patrimônio para programas de proteção de comunidades tradicionais.

Continua após a publicidade

Em um pronunciamento polêmico, Francisco 2º afirmou que todos os que se valerem de trabalho escravo serão prontamente excomungados.

Em sua primeira encíclica "Nos penitus paenitet" ("Lamentamos Profundamente", em tradução livre), pede desculpas a todos os que foram perseguidos pela Santa Sé. Convidou lideranças de outras religiões, organizações pelos direitos das mulheres e contra homotransfobia, entre outras, para o lançamento, em Roma, aproveitando o ano do Jubileu.

Isso provocou a ira de muita gente ao redor do mundo. O papa foi declarado persona non grata nos Estados Unidos e seu avião está proibido de pousar na Hungria, na Áustria, na Rússia, em El Salvador e na Argentina.

No Brasil, organizações de produtores rurais afirmam que os atos do pontífice visam "criar o caos e a luta de classes no campo, acabando com uma paz, abençoada pela própria Igreja, que já dura séculos", mas também "fomentar a insegurança jurídica no campo". Uma das lideranças desabafou: "Dei até o nome da minha fazenda de Nossa Senhora. E só porque fui acusada injustamente de ter trabalho escravo não vou poder ir pro céu?"

Jovens de correntes mais conservadoras da igreja prometeram marchas durante a visita de Francisco 2º ao Rio de Janeiro. Exigem que o papa renuncie, como fez Bento 16. "Eu não fiz sexo antes do casamento para vir um bispo do meio da selva dizer que isso não é importante? Em que mundo nós estamos?", afirma Capitu de Assis, 27, moradora da Barra da Tijuca.

"Não queremos um comunista à frente da Santa Igreja. Queremos uma igreja que proteja a família, a tradição e a propriedade", afirma o operador do mercado financeiro e morador de São Paulo Martim Moreno, 23. "Será que esses esquerdoides malucos não entendem que todos serão iguais na outra vida?", completa.

Continua após a publicidade

A Presidência da República teme repercussões eleitorais no ano que vem por conta do aumento no número de protestos contra a vinda de Francisco 2º. "Há católicos conservadores culpando o governo por ter influenciado na escolha do papa", diz um assessor que trabalha diretamente com Lula. Segundo eles, desde as primeiras medidas amargas do Vaticano, alguns grupos religiosos têm agitado mais fortemente bandeiras como a discriminação de gênero, a homotransfobia e a intolerância religiosa para atrair esses fiéis, agora, perdidos.

"A Presidência da República já está a par disso e deve trazer parlamentares ligados a essas denominações para fazer parte da base do governo", informa o assessor.

Um projeto de lei chegou a ser apresentado, nesta segunda (15), no Congresso Nacional a fim de que os crucifixos que decoram os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como vários órgãos da administração pública direta e indireta, fossem retirados, em represália à vinda do papa. No dia seguinte, o autor retirou a proposta.

Na tarde desta terça (16), manifestantes contrários à vinda do papa fecharam a avenida Paulista. De acordo com os organizadores e com a Polícia Militar, eram 4 milhões de pessoas. Tratores e caminhões fecharam as duas pontas da avenida. Conduzido por um frade, o protesto trazia cartazes afirmando "Francisco, você não me representa" e "Armai-vos uns aos outros". Um grupo pequeno anarquista que carregava uma faixa com os dizeres "É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha" foi afastado com socos e pontapés.

"Não somos vândalos. Queremos que as coisas continuem como sempre foram, só isso. É pedir muito?", reclama, com lágrimas nos olhos, Elisângela Manfred Whitaker Montenegro Amador Bueno da Veiga, uma das organizadoras do protesto.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL