Há uma ameaça ainda maior aos aposentados do que a roubalheira no INSS
Ler resumo da notícia
Aproveitando que o INSS entrou na pauta por conta da tungada criminosa através de descontos ilegais em aposentadorias e pensões feita por associações e sindicatos, vale ressaltar que há uma ameaça ainda maior sobre quem depende do sistema de seguridade social: a desvinculação dos benefícios do salário mínimo. O atual governo garante que isso não vai rolar. Mas a pressão é grande.
Da mesma forma que o roubo via mensalidades associativas, essa também é uma porrada, mas uma porrada discutida abertamente, com a benção da Faria Lima, dos tecnocratas, dos mais ricos. Uma porrada sob a justificativa do "bom senso" — termo que, aliás, Donald Trump usa à exaustão para justificar o injustificável e, por isso, tem se espalhado por aí.
Em nome da saúde das contas públicas, muita gente boa crescida no leite de pera defende que aposentadorias e pensões deixem de ser vinculadas ao salário mínimo, hoje em 1.518 cascalhos (lembrete rápido: de acordo com o Dieese, o salário mínimo deveria ser de 7.398,94 cascalhos a fim de cumprir o mínimo constitucional e garantir vida digna a uma família).
Desvincular significaria que o reajuste anual desses benefícios ocorreria apenas pela inflação ou, talvez, nem isso. Com o passar dos anos, a situação distanciaria o seu valor do mínimo salário vigente — que voltou a ter ganhos reais, ou seja, acima da inflação, desde o início do terceiro governo Lula. A gestão Bolsonaro havia abandonado a política de valorização do mínimo.
Isso atingiria também o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza extrema, que é permanente, mas também o seguro-desemprego, o seguro-defeso (pago a pescadores artesanais em parte do ano) e o seguro-desemprego especial aos resgatados da escravidão, que são temporários.
Em entrevista que nos concedeu, em junho do ano passado, o presidente Lula prometeu que seu governo não vai desvincular pensões previdenciárias, aposentadorias ou o BPC do salário mínimo. Disse também que o mínimo continuará subindo acima da inflação. Recentemente, houve uma mudança no cálculo no ajuste fiscal, mas o aumento real continua.
Também no ano passado, o ministro da Fazenda Fernando Haddad confirmou a esta coluna que a desvinculação do salário mínimo tanto dos benefícios sociais permanentes quanto dos temporários, proposta que vem sendo defendida por parte do mercado para reduzir o déficit nas contas públicas, não estava nas prioridades do governo.
Ele já havia dito, em entrevista ao Valor Econômico, que tentativas de desvincular aposentadorias, pensões e benefícios permanentes poderiam bater de frente com as garantias sociais mínimas estabelecidas na Constituição.
Até agora o governo vem atuando para corrigir distorções em benefícios, afastando a ideia de cortes sociais. Ou seja, pente-fino. E distorções existem, inclusive com a benção do Poder Judiciário.
Mas a defesa da pauta da desvinculação entre atores do mercado e seus representantes na mídia é forte. Toda vez que se discute a questão fiscal, ela entra ao lado da redução de gastos obrigatórios em educação e saúde públicas — investimentos que beneficiam, claro, os mais pobres.
É fato que os déficits da Previdência Social vêm aumentando e que, em algum momento em breve, o país terá que se debruçar sobre a questão e realizar novas mudanças. Mas com categorias que se beneficiam de condições especiais (como os militares), o sistema sangrando através de fraudes trabalhistas (como terceirização e pejotização ilegais) e até a resistência de plataformas de motoristas e entregadores de recolherem encargos previdenciários (o sistema de MEI é importante, mas ele gera um baita déficit), a situação realmente fica difícil.
Em matéria de ajuste fiscal, o governo travou nos últimos anos uma disputa com setores que contam com benefícios, como os que conseguiram junto ao Congresso Nacional a extensão da desoneração de suas folhas de pagamento — comunicação, mídia e jornalismo, inclusive. É meio trilhão de reais concedidos ao andar de cima que, se reduzido significativamente, poderia ajudar a resolver esses déficits.
É mais fácil, contudo, o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha considerando que há parlamentares que são soldados desse povo e operam 24/7 no Congresso para que tudo fique exatamente como está.
O caso da roubalheira no INSS precisa de xilindró aos envolvidos e devolução total (e com correção monetária) do que foi subtraído, seja do patrimônio dos criminosos e/ou do caixa da União — até porque parte do que foi roubado já foi defecado em viagens ao exterior por alguns dos envolvidos e os governos Bolsonaro e Lula assistiram isso sem dar uma solução. Como apontado, o total da sacanagem pode ter custado mais de R$ 6 bilhões.
Mas constrói-se, aos poucos, e silenciosamente, a ideia de que o Brasil não aguenta pagar o mínimo para garantir uma vida digna de quem não está na ativa. E isso vai ser algo muito, muito maior. E pode nos custar o futuro.