Leonardo Sakamoto

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Opinião

Brasil analfabeto midiático crê em tudo o que vem do zap e compartilha fake

Três em cada dez brasileiros entre 15 e 64 anos até reconhecem a língua portuguesa, mas são incapazes de compreender e escrever mensagens de forma eficaz, segundo estudo da Ação Educativa. Enquanto isso, uma multidão acredita em tudo o que lê nos grupos de zap e redes sociais e compartilha de forma irresponsável tudo o que recebe. Se o analfabetismo funcional é terrível, o analfabetismo midiático é uma desgraça.

Tendemos a acreditar que "verdade" é todo conteúdo no qual acreditamos e "mentira" é tudo aquilo do qual discordamos. Isso surge como um mecanismo de proteção do indivíduo e do grupo, mas também causa problemas pela simples razão de que nem sempre as informações que detemos ou nossa visão de mundo está amparada em fatos. Isso é piorado pelas bolhas produzidas pelos algoritmos nas redes sociais, que nos isolam e dificultam o respeito à diferença.

No meio digital, esse mecanismo ganha ares de catástrofe, pois é usada de forma estratégica para conquistar corações e mentes, travar guerras simbólicas com adversários e conquistar o poder. Pessoas consomem de forma bovina conteúdos simplesmente porque eles falam o que ela quer ouvir.

Ao mesmo tempo, muita gente compartilha um conteúdo sem checar a fonte da informação ou a sua veracidade não apenas porque concorda com ela (mesmo que esteja errado), mas porque sabe que ele vai lhe garantir simpatia de amigos, colegas, familiares e conhecidos. O "like" é um lugar quentinho. Quem não gosta de uma chuva de likes? Mas uma tempestade de endosso público por vezes ocorre às custas dos impactos negativos de uma mentira viralizada.

O letramento midiático é tema urgentemente no Brasil e no mundo para garantirmos um debate público saudável e o arrefecimento da ultrapolarização burra, que tenta destruir a diferença. Isso não é censurar, nem enviesar, mas apresentar instrumentos a fim de garantir a liberdade e dificultar a vida de quem tenta manipular nossa opinião. Não é apontar qual ponto de vista é certo ou errado, mas fornecer ferramentas para que as pessoas descubram isso por conta própria.

Afinal, quando compramos um smartphone, ele não vem com o manual para ajudar a consumir e produzir informação de forma responsável.

Se o tema fosse presente em todas as escolas de ensinos fundamental, médio e superior, reduziríamos essa lacuna. Infelizmente, apesar de previsto em planos de educação e do trabalho importante de professores e gestores de política pública, estamos longe disso. No final das contas, encontramos com mais facilidade quem saiba diferenciar uma picanha de uma maminha do que acharmos os que entendem a diferença entre um texto noticioso de um de opinião.

Se isso ocorrer, todos lerão texto ou assistirão a um vídeo até o seu final antes de compartilhá-los.

Irão verificar a fonte da informação de uma notícia antes de passá-la adiante e, se ela não tiver fonte ou se a fonte não contar com nome, sobrenome e endereço, vai evitar compartilhar porque pode ser algo inventado.

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Vão procurar ler de tudo, não apenas coisas com as quais concorda, pois o "outro lado" também tem suas razões que merecem ser conhecidas e entendidas.

Provavelmente se sentirão compelidos a verificar os argumentos trazidos por uma postagem antes de assumir que ela é verdade, se a postagem está baseada em fatos reais ou é discutível.

E, ao final, irá entender que está prestes a compartilhar uma mentira apenas para satisfação pessoal ou para servir de munição contra alguém do qual não gosta. E desistirá do intento.

Muitos não conseguem entender que análises divergentes sobre um mesmo fato podem e devem coexistir - claro, se essas análises não alimentem a morte e o apedrejamento de grupos sociais. A alfabetização midiática ajuda a mudar esse cenário.

No intuito de contribuir com o processo de alfabetização midiática, vale lembrar:

1) Não compartilharás conteúdo noticioso sem antes checar a informação; 2) Não divulgarás notícias relevantes sem atribuir a elas fontes primárias de informação; 3) Postagens "apócrifas", sem fonte, jamais serão aceitas como instrumento de checagem ou comprovação; 4) Não esquecerás que informação precede opinião; 5) Não matarás - sem antes checar o óbito; 6) Lembrarás que mais vale uma postagem atrasada e bem checada que uma rápida e mal apurada. E que um número grande de likes não garante credibilidade; 7) Serás assertivo apenas naquilo que tens certeza do que diz; 8) Não se esquecerás que apuração precede pitaco; 9) Não terás pudores de reconhecer, rapidamente e sem poréns, o erro em caso de divulgação ou encaminhamento de informação incorreta; 10) Na dúvida, não compartilharás. Pois, tu és responsável por aquilo que repassas. Ou seja, se der merda, você também é culpado.

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E, como sempre digo, falta amor no mundo, mas falta também interpretação de texto. Então respire, leia, interprete. E, na dúvida entre passar adiante algo nocivo que você tem dúvida sobre sua veracidade ou nudes, compartilhe nudes.

Em tempo: em um país preconceituoso, vale o aviso que burrice não é a falta de um conhecimento específico. Um camponês de uma comunidade isolada pode não saber navegar na internet, mas duvido que você saiba produzir alimento a partir da terra como ele. Burrice também não é quem separa sujeito e predicado por vírgula — muita gente não entende isso e desvaloriza a opinião do outro por não compartilhar dos mesmos padrões de fala. Burrice é quem menospreza o conhecimento, seja ele qual for, chegando a odiar quem o detém ou quem busca aprendizado. Da burrice prepotente, que xinga um texto ou vídeo na rede sem ter consumido nada além de seu título ou visto o nome do autor ou autora, à burrice daquele que vê seu preconceito violento como sabedoria. Essa burrice pode conviver bem no indivíduo, mas mata o futuro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL