Centrão protege golpista como salvo-conduto para suas próprias maracutaias
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Deputados são animais políticos conhecidos pelo instinto de sobrevivência pessoal acima de questões ideológicas, republicanas ou democráticas. Foi com esse espírito que o centrão votou em peso, nesta quarta, para sustar a ação contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) por tentar um golpe de Estado. O bolsonarismo defende que isso vale também para outros 33 acusados que estão no mesmo bololô.
O resultado foi de 315 votos a 143. Mas a maioria do centrão não estava votando por Jair Bolsonaro, que quer pegar carona para ser beneficiado no meio disso. Se o ex-presidente tivesse esse apoio todo, o projeto de anistia já tinha sido enfiado goela abaixo do país. Tampouco o centrão é a favor explicitamente da tentativa do ex-presidente, de Ramagem, de generais e outros cúmplices de transformar o Estado democrático de direito em geleia. A questão é que o centrão sinceramente não se importa. Está mais preocupado no precedente que isso pode gerar para salvar a si mesmo da forca no futuro.
Em um momento em que o Supremo Tribunal Federal trava uma briga com o Congresso Nacional pela moralização das emendas parlamentares e aponta que será duro com quem for pegos pela Polícia Federal desviando recursos públicos através delas, a Câmara dos Deputados enviou um recado de que processos por roubalheira contra quem tem mandato não seguirão adiante.
A Câmara ignorou que apesar de a Constituição garantir a deputados e senadores o direito de sustar processos penais contra os seus, ela trata de crimes ocorridos após a diplomação, no caso da atual legislatura, dezembro de 2022. Isso o livraria Ramagem (e só ele) das acusações relacionadas aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, ou seja, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração do patrimônio tombado.
Mas não da parte principal do plano golpista, na qual ele teria ajudado Bolsonaro ao cavalgar a área de espionagem e inteligência durante o governo do ex-presidente. Ou seja, continuaria respondendo por tentativa de golpe, abolição violenta do Estado democrático de direito e organização criminosa.
É fascinante como o bolsonarismo tentando reduzir o golpismo apenas ao 8 de janeiro, quando a invasão e vandalismo sobre as sedes dos Três Poderes foram apenas a cereja do bolo. O plano golpista era muito maior, mais antigo e mais relevante que isso, mas querem fazer crer que não em um show de ilusionismo.
Os deputados bolsonaristas sabem disso, mas torturaram a Constituição para ela gritar o que eles queriam ouvir. Os deputados do centrão também sabem disso, mas, em benefício do próprio futuro, resolveram aceitar a citada tortura imposta pelo bolsonarismo.
O STF, claro, não vai aceitar essa rebordosa, declarando inconstitucional tudo o que não estiver no texto da Constituição — o que deve aumentar a animosidade entre Judiciário e Legislativo. Alguns até apostam que o fuzuê pode garantir que a corte pegue mais leve na questão das emendas a partir de agora.
No dia em que o ato bolsonarista em Brasília convocado por aliados do ex-presidente a favor de anistia a quem participou de atos e ações golpistas entre outubro de 2022 e 8 de janeiro de 2023 reuniu apenas 4 mil pessoas (números são do Monitor do Debate Político do Cebrap e da Universidade de São Paulo junto com a ONG More in Common), menos de 10% do ato da Paulista, em 6 de abril, a Câmara deu uma ajudinha apesar de 56% da população ser contra anistia golpistas, segundo a Genial/Quaest e o Datafolha.
Bolsonaro vai continuar réu, mas verá turbinada a mentira de que ele é um injustiçado, o que pode soar bem em algum país governado pela extrema direita para o qual ele resolva fugir a fim de não ser preso ao final do processo.