Dino alerta centrão a não usar golpismo pró-Bolsonaro para defender emendas
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O centrão, que é mais oportunista e fisiológico do que golpista, aplicou uma manobra rocambolesca para livrar Alexandre Ramagem da ação penal por golpe de Estado — que foi hit de sucesso do grupo "Bolsonaro e seus Cúmplices".
Fez isso não apaixonado pelo sorriso do deputado ou pelos olhos do ex-presidente, mas para mandar ao STF o recado de que os parlamentares não vão aceitar punições em processos por desvios de emendas, como já disse aqui antes.
O ministro Flávio Dino, relator de ações no Supremo que tentam moralizar as emendas parlamentares, entendeu direitinho o recado e respondeu à altura ao dar seu voto apontando a inconstitucionalidade do cambalacho da Câmara:
"Somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o Orçamento e executá-lo diretamente, [grifo meu] efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente; tudo isso supostamente sem nenhum tipo de controle jurídico", afirmou. "Maiorias ocasionais podem muito em um sistema democrático, mas certamente não podem dilacerar o coração do regime constitucional", disse.
Investigações da Polícia Federal apontam evidências de um comércio de emendas parlamentares, em que congressistas recebem de volta uma parte dos recursos destinados por eles a prefeituras na forma de propina. Indícios de desvios atingiram deputados e senadores do Nordeste ao Sul do país.
Flávio Dino bloqueou a liberação de parte das emendas alegando falta de transparência de quem encaminha os recursos e do seu propósito. Com isso, o Congresso Nacional buscou formas de contornar a proibição enquanto ameaçava retaliar a corte. Câmara e do Senado prometeram ao STF, individualizar o nome dos autores das emendas de relator e de comissão e votá-las em comissões a fim de garantir mais transparência. Com isso, recursos foram liberados.
A descoberta do mercado de emendas justifica o medo de alguns deputados e senadores de terem seus envios tornados públicos e tem potencial para empoderar o STF na relação com o Legislativo — coisa que o Congresso percebeu.
Como também já disse aqui, deputados não são burros, pelo contrário, o mais marmota ali é bem mais safo do que a maioria de nós. O centrão chegou ao cálculo "Autopreservação + Corporativismo > Democracia + Bom Senso" e optou por defender uma manobra que poderia criar uma brecha a fim de salvar o pescoço de golpistas.
O artigo 53 da Constituição permite a deputados e senadores sustarem processos criminais contra parlamentares por crimes cometidos após a sua diplomação. Por isso, o Supremo respeitou a decisão da Câmara em relação ao que diz respeito aos crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado.
Mas golpe de Estado, dissolução violenta do Estado democrático de direito e organização criminosa ficaram de fora por serem crimes que teriam sido cometidos com antes da diplomação, que ocorreu em dezembro de 2022. E isso tampouco beneficiou "Bolsonaro e seus Cúmplices" porque a lei trata do parlamentar, não de pessoas associadas a ele.
A resposta de Dino mostra que seria salutar à Câmara baixar a temperatura. No final do dia, pode colar com a extrema direita a ideia de que STF está exagerando em suas atribuições ao punir quem desviou emendas parlamentares. Mas, para a maioria da população, não pega bem saber que deputados transformaram em viagens à Disney e coquetéis de camarão o dinheiro que deveria virar gaze e benzetacil no posto de saúde ou kits de robótica nas escolas.