Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bombas mostram força da especulação imobiliária no Moinho e 'cracolândia'

Da mesma forma que não se morre de frio nas ruas de São Paulo, não se morre de reintegração de posse ou de desocupação forçada. Morre-se de especulação imobiliária, que, em São Paulo, dita leis, elege políticos, pressiona na contramão de políticas eficazes de saúde pública e de moradia e instrumentaliza a violência estatal. O que acaba valorizando regiões com a expulsão de "indesejáveis" para as periferias e franjas da cidade.

A forma com a qual o poder público vem tratando moradores que protestam contra a desocupação da favela do Moinho ou os usuários da "cracolândia" da Luz, na região central da capital, com bombas e balas, é também explicada pelas necessidades do mercado imobiliário. Há muito que empresas tentam "limpar" o pessoal de lá.

O Ministério Público de São Paulo credita a desidratação do fluxo a uma ação de longo prazo no combate ao crime organizado coordenada por ele. Já a prefeitura e o governo afirmam que a redução no número de usuários de drogas é o resultado de políticas sociais. Mas as ações aplicadas até agora são insuficientes para explicar o esvaziamento da região. Como pessoas não desaparecem de uma outra para outra, sublimando feito naftalina, e nem abandonam a dependência das drogas em passe de mágica, elas estão em algum lugar.

Para onde foram os usuários da "cracolândia"? Foram por conta própria? Levados ou empurrados? Por quem?

Claro que as "cracolândias" não serão resolvidas com as pessoas dando os braços umas às outras em ciranda, xingando autoridades através do Insta ou soltando balões grafados com a palavra "esperança". Muito menos entregando os usuários a comunidades terapêuticas picaretas que, literalmente, escravizam os seus membros.

Governos adotaram uma estratégia de espalhamento dos usuários que pode render frutos eleitorais de curto prazo, sem uma abordagem psicossocial individualizada, o que geraria resultados no longo prazo. Essa escolha transformou uma questão de saúde pública, que deveria ser resolvida com a criação de portas de saída, em batalhas campais, com bombas, balas e correria, em que usuários saem feridos. Ou em denúncias de remoção forçada.

E aqui entra a questão da favela do Moinho. Ao longo do tempo, expulsamos os mais pobres para regiões cada vez mais periféricas. Eles, que têm menos recursos financeiros, gastam mais tempo e mais de sua renda com transporte do que os mais ricos que ficaram nas áreas centrais — com exceção das "Alphabolhas" da vida.

Cortiços e favelas em regiões de fácil acesso abrigam centenas de famílias, sem o mínimo de saneamento básico, às vezes sem água e sem luz. Mas há moradores desses locais que preferem continuar por lá, pois transporte é o que não falta e a casa fica próxima ao trabalho — ao contrário do que acontece em bairros da periferia, onde o trajeto até o centro chega a levar horas, dentro de ônibus superlotados e caros.

Ao forçar a remoção dos moradores do Moinho, o governo promete auxílio-aluguel que não paga o aluguel ou fala de entrega de imóveis que ainda nem existem. A maioria quer sim um lar digno para morar, mas, para sair, quer e precisa de mais garantias, com imóveis subsidiados integralmente para os mais pobres.

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Óbvio que até um guaxinim com problemas de cognição sabe que o crime organizado que opera na região precisa ser extirpado. E que a desarticulação inteligente de membros do Primeiro Comando da Capital, com a prisão de seus líderes, é mais do que necessária. Mas isso vem sendo usado como justificativa para outros interesses.

Vivendo a guerra, os usuários não vão buscar apoio porque temem aqueles que dizem que vão ajudá-los. Ao mesmo tempo, a população do local e os pequenos comerciantes ficam acuados. E, acuados, eles têm cobrado medidas duras do poder público contra os usuários. Medidas duras que, no longo prazo, vão gentrificar a região e expulsar a população do local e os pequenos comerciantes.

A "cracolândia" some do mapa, a favela do Moinho some do mapa, os usuários viram problema de outro bairro, e os imóveis da Luz se tornam ótimos negócios para fundos de investimento. É a máquina de moer pobre que não para - só se disfarça de política pública. Temos um constante Pinheirinho em São Paulo, mas, como segue a conta-gotas, não vira manchete. Banalizou-se, como a corrupção ou a superexploração do trabalho.

E assim a cidade segue, produzindo vítimas e lucros em igual medida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL