Leonardo Sakamoto

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Opinião

Farra das ONGs ganha 'bebê reborn' após STF tentar enterrar o esquema

"Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" é um princípio fundamental da ciência, formulado por Lavoisier (você deve se lembrar disso se não deu migué nas aulas de química). Descreve a lei da conservação da matéria. Pode ser bem aplicada, contudo, a esquemas de emendas parlamentares, principalmente envolvendo políticos do Rio de Janeiro. Eles não morrem, apenas mudam de rosto.

A Farra das ONGs, uma tramoia que há anos desvia recursos públicos para organizações sem transparência, sobreviveu às tentativas de controle por parte do Supremo Tribunal Federal e da Controladoria-Geral da União. E, ao que tudo indica, o que ressurge é uma cópia mais tosca da original, tal como um bebê reborn feito por uma cegonha preguiçosa e sem medo de críticas.

Revelado no ano passado por Ruben Berta, no UOL, o caso revelou parlamentares que haviam enviado quase meio bilhão de reais em verba federal a uma rede de ONGs que tocaram projetos com fortes indícios de desvios. Os repasses tinham sido feitos por 33 parlamentares - a lista incluía até o, agora, ex-deputado federal Chiquinho Brazão, acusado de mandar matar Marielle Franco.

O mesmo repórter traz, nesta segunda (19), a informação de que o bicho está vivo, mas reencarnou em outros corpos.

Sete ONGs sem histórico de projetos relevantes, das quais 19 do Rio e duas do Amapá, foram contempladas com R$ 274 milhões - sendo que R$ 219 milhões destes migraram, a pedido dos parlamentares, da rede de ONGs suspeitas de desvios públicos que havia sido revelada pelo UOL para a nova.

O novo grupo de ONGs tem integrantes que são ou foram ligados às entidades suspeitas por desvios.

No esquema revelado no ano passado, dinheiro público eram transferidos a projetos com estrutura simples, de esportes e qualificação profissional, que custavam muito mais do que deveriam, e incluíam serviços não comprovados, superfaturamento, concorrências viciadas e o uso de laranjas.

O ministro Flávio Dino, que vem proferindo decisões para moralizar a destinação de emendas pelo Congresso, mandou a CGU fazer um pente-fino nesses repasses. O pagamento chegou a ser suspenso e devoluções de recursos públicos foram recomendadas.

Agora, o senador Romário (PL) aparece como o que mais mandou recursos a esse grupo, mas o grupo de parlamentares inclui nomes como os deputados Sóstenes Cavalcante (PL), Otoni de Paula (MDB), Dimas Gadelha (PT) e Dani Cunha (União), todos do Rio. Todos negam irregularidades.

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O sistema encontrou formas de se perpetuar e se adaptou. O sistema sempre se adapta. Cabe ao STF investigar o que está sendo exposto pela reportagem e tomar a devidas providências, responsabilizando os envolvidos e os parlamentares que tenham agido de má fé.

Apresentar uma cópia mal feita como se verdadeira fosse não é só cara de pau. É gozar com a cara do cidadão. Pois mostra a certeza de impunidade por parte de políticos e de seus aliados, a mesma certeza que está presente nas tentativas de manter vivo os repasses de emendas de outro escândalo, o do orçamento secreto no Congresso Nacional, que são uma afronta ao Poder Judiciário, à Constituição e ao contribuinte.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL