Agressão a bebê real confundido com reborn é fruto de um pânico fabricado
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A história do semovente de 36 anos que foi preso, nesta quinta (6), em Belo Horizonte, após agredir um bebê de colo por achar que os pais estavam usando uma boneca reborn para furar a fila de uma lanchonete é um sinal de alerta. Não sobre os eventuais comportamentos patológicos de alguns adultos que possuem esse tipo de brinquedo, mas pela escalada bizarra da sociedade como reação aos poucos casos bisonhos que os envolvem.
A Justiça não viu necessidade de manter prisão preventiva por lesão corporal leve. Ele foi solto, neste sábado (7), após pagar fiança de três salários mínimos.
Não estou aqui defendendo ou criticando quem conta com um ou mais de um em casa e a eles se dedica. As pessoas precisam ser livres para fazerem o que quiserem de suas vidas, se isso não atrapalhar a vida dos outros, não gerar demandas desnecessárias aos cofres públicos e não representar tentativas de golpe de Estado.
Mas uma ponderação precisa ser feita, pois, em uma sociedade polarizada, as coisas acabam se reduzindo a uma discussão entre o céu ou o inferno. E os necessários tons de cinza ficam restritos a livros de pornô soft.
Como bem disse o psicanalista Christian Dunker, em sua coluna no UOL, o estranhamento coletivo vem do fato de serem bonecas, por um lado, mas excessivamente verdadeiras, por outro, com textura de pele, dimensões reais, proporções exatas. A dedicação a algo que emula o ser humano tão bem gera um desconforto.
A grande maioria das pessoas que tem esses bonecos com feições humanas os trata como uma diversão, um passatempo. Outros vão além e gastam bastante tempo, como um hobby, não sendo diferente, contudo, de muitos que colecionam carros, miniaturas e afins. Em outros casos, o objeto é usado em meio a processos terapêuticos, para tentar superar traumas.
Por fim, há uma minoria que vê o objeto como se vivo estivesse. Nesses casos, mais do que ataques e xingamentos, essas pessoas precisariam de acolhida e apoio psicológico. Mas é mais fácil cuspir do que abraçar no tribunal do zap.
Os casos problemáticos estão longe de ser uma questão real para a sociedade. O ponto é que os exemplos patológicos, em que a pessoa passa a acreditar realmente que aquele pedaço de borracha e plástico é uma criança, que, como eu disse, estão muito longe de ser maioria, chamam a atenção. E viralizam por conta desse nosso estranhamento.
Casos como do e uma pessoa que levou um brinquedo para ser vacinado e de outra que moveu processo judicial para garantir licença maternidade por ter comprado o produto têm servido como gatilho para muita gente surfar em cima. Surgem políticos com projetos de lei desnecessários, advogados querendo aparecer, gestores públicos barulhentos, e afins, tratando a questão como se houvesse uma pandemia. E não há. O que existe é uma epidemia de oportunismo.
Quando a sociedade trata uma questão como algo muito maior do que realmente é começa a provocar a percepção de que os bebês reborn vão invadir o mundo. Esse bombardeio mexe com pessoas emocionalmente instáveis, causando cenas infelizes como a que vimos na capital mineira.
Se não nos atentarmos a isso, dando a questão real tamanho que ela tem, podemos começar a ter casos sérios de violência envolvendo crianças ou agressões contra quem tem um reborn em casa. Exploração exagerada não é brinquedo.