Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bets criticam plano de Haddad, mas pagam pouco para o prejuízo que causam

O ministro Fernando Haddad propôs aumentar a taxação sobre os ganhos das casas de apostas, provocando ranger de dentes e ameaças, para substituir o aumento do IOF. Sim, o pessoal que causa um prejuízo incalculável em termos de saúde pública ao Brasil e lucra explorando trabalhadores que fantasiam em resolver seus problemas com alguns cliques no celular deveria estar feliz de poder operar por aqui. Mas faz beicinho.

Sob a justificativa de organizar esse mercado e, claro, arrecadar impostos, governo federal e Congresso regularam a barafunda. Agora, têm um pepino do tamanho do mundo para resolver.

Haddad está errado. Não deveria ter proposto o aumento do GGR (Gross Gaming Revenue), a diferença entre o que se paga de prêmio e o que se arrecada de aposta, de 12% para 18%. Deveria ter ido para 36%, 50%.

E aqui não é uma questão de torturar um "setor econômico" (com muitas aspas), mas corrigir um erro cometido no momento de sua regulação. Pois os gestores públicos e os legisladores não imaginaram (porque não quiseram, óbvio) o tamanho da demanda ao SUS que o vício em jogo causaria.

Seriam necessários muito mais recursos a fim de atender e tratar esses pacientes, além de investimento em campanhas de informação para evitar que famílias continuem sendo desestruturadas. Todos conhecem alguém que se lascou com bets mais do que conhecem alguém que está viciado em pedra ou pó.

Até porque, para comprar droga, você precisa se expor em uma boca ou com entregadores não confiáveis, mas para jogar, bastam alguns cliques legalizados no celular.

O manifesto de seis associações que representam essas bets diz que o aumento proposto por Haddad é injustificável e que tem demonstrado "comprometimento com o desenvolvimento econômico do país". Reclamam da carga tributária, citando que pagam também PIS, Cofins, ISS, IRPJ e CSLL. Parabéns, Flipper, não fazem mais do que a obrigação cumprida por outros setores realmente produtivos.

E dão uma indireta, dizendo que a tributação excessiva leva à ampliação do mercado ilegal, com perda de arrecadação. Apontam que, no primeiro trimestre deste ano, o mercado regulado movimentou R$ 3,1 bilhões por mês, enquanto o ilegal, até R$ 7 bilhões.

O tráfico de drogas também faz circular uma grana pesada, nem por causa disso deveria existir.

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"O aumento da carga tributária sobre os operadores legalizados, portanto, compromete diretamente a permanência das empresas no mercado brasileiro — muitas das quais já consideram devolver suas licenças e encerrar operações no país", diz o manifesto.

Se esse pessoal quer ir para ilegalidade, ótimo, que o governo comece a agir de fato para travar IP a torto de direito. Não vai ser fácil, mas pelo menos o Estado vai começar a agir para proteger a população da jogatina digital, coisa que, até agora, parece que esqueceu de fazer.

Enquanto isso, Brasil precisa banir anúncio de bets

Aproveitando o gancho. É uma brincadeira de mau gosto que publicidades multicoloridas, trazendo sorridentes influenciadores, prometendo mundos e fundos, sejam encerradas com o alerta "jogue com responsabilidade". Qualquer tigrinho com problemas de cognição sabe que as casas de apostas lucram exatamente com o comportamento compulsivo promovido por elas mesmas.

Isso soa como um traficante na "cracolândia" vender uma pedra e alertar: fume com moderação.

Não faz sentido campanhas publicitárias de bets serem liberados e as do crack não, considerando que ambos causam mal à saúde de indivíduos e destroem famílias. Tenho defendido aqui a proibição total de anúncios de bets na TV, no rádio e na internet, mas também em estádio e nas camisas de times de futebol.

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Há projetos apresentados para proibir a propaganda desses caça-níqueis digitais na TV, no rádio, nas redes sociais, nos portais e sites. Se o vício em crack, que faz tão mal quanto, não pode ser incentivado no intervalo da novela, o das apostas também não. O Congresso agiu só para proibir influenciadores e jogadores de futebol. Tapou o sol com a peneira.

Muitos defendem que as bets ajudam a financiar o combalido jornalismo e precisamos ter parcimônia quanto a isso. Ironicamente, dinheiro de bets acaba financiando reportagens que denunciam o dano causado à vida dos brasileiros que jogam.

Bets deveriam ser muito, mas muito mais taxadas que cigarro. Aliás, há duas décadas, não convivemos mais com anúncios de tabaco na TV, nem em camisas de times de futebol apesar de cigarro ser vendido normalmente. E ninguém morreu por isso. Pelo contrário.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL