Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonaro chama bolsonaristas de 'malucos' para se livrar da cadeia

Você, que ficou acampado na frente de um quartel, tomando chuva e passando frio, no final de 2022, rogando às Forças Armadas que interviessem no resultado das eleições, é maluco. Doido. Biruta. Não sou eu quem disse disso, mas Jair Messias Bolsonaro, em seu depoimento, hoje, ao Supremo Tribunal Federal.

O que mostra que o ex-presidente é realmente um sobrevivente e abandona qualquer um à beira da estrada para se salvar. Literalmente.

"Agora, tem sempre os malucos ali que ficam com aquela ideia de AI-5 e intervenção militar. As Forças Armadas, os chefes militares, jamais iriam embarcar nessa porque não cabia isso aí", disse o ex-presidente.

Isso foi proferido no momento em que ele jurava que não incentivou ataques contra instituições. E que graças a ele, "o pessoal não fez absurdo". Herói.

O mais doido é que passamos o governo passado ouvindo reiteradas defesas da interpretação golpista de que o artigo 142 da Constituição Federal confere às Forças Armadas uma espécie de "poder moderador". Ou seja, uma função de árbitro e xerife sobre os demais poderes.

A interpretação mirabolante é um dos pilares do golpismo bolsonarista, defendida em faixas carregadas por uniformizados com o amarelo-CBF e em orações na porta de quartéis. Foi amparada por juristas alinhados ao ultraconservadorismo e à extrema direita, mas rechaçada pelo STF e por quem está ancorado na democracia e na realidade.

Isso me faz lembrar de uma cena, em março de 2020. Enquanto Jair Bolsonaro subia de volta a rampa do Palácio do Planalto, após cumprimentar apoiadores, tirar selfies e elogiar os protestos contra o Congresso Nacional, um grupo gritava por um novo Ato Institucional. "AI-5! AI-5! AI-5! AI-5!" Sorrindo, o então presidente acenava ao público que pedia a morte da democracia. "Não tem preço o que esse povo está fazendo aqui", disse pouco antes.

Bolsonaro editou, no final de 2022, o texto de uma minuta de decreto de golpe de Estado que mandaria para o xilindró uma série de autoridades, melaria a eleição que elegeu Lula e conferiria poderes excepcionais às Forças Armadas. Apresentou um rascunho do documento aos comandantes militares, sendo rechaçado pelo general Freire Gomes e pelo brigadeiro Baptista Júnior e abraçado pelo almirante Garnier.

Bolsonaro admitiu, hoje, ter procurado os três para agir contra as eleições, mas afirmou que não havia clima. Não é que ele não tentou, ele não conseguiu. Acreditava também, portanto, na intervenção militar até que ela indicou que não acreditava nele.

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Resolveu, hoje, transformar seu depoimento em peça de propaganda e a cadeira de réu em palanque. Mentiu do começo ao fim, de fraudes em urnas eletrônicas até sobre onde ele passava suas férias. Tinha duas opções: a) abraçar uma defesa o mais jurídica possível, caso tivesse esperança de que isso melhorasse sua situação, ou b) tocar uma defesa política, se entendesse que a sua condenação é questão de tempo.

A primeira seria voltada ao STF. A segunda, aos seus seguidores nas redes, aos apoiadores fora do país e à população. Não abandonou a primeira, mas produziu muitos recortes para a segunda. Tentou ser simpático e não bateu de frente. Até porque, como sabemos, simpáticos não cometem golpes de Estado, não é mesmo?

Fico imaginando o que se passa pela cabeça de um bolsonarista-raiz que gozou quando o ex-presidente chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha, em 7 de setembro de 2021, dizendo que não cumpriria mais suas ordens judiciais, e ouve, agora, o "mito" pedir desculpas a ele e aos ministros Barroso e Fachin por atacá-los no passado. "Não tenho indício nenhum. Era uma reunião para não ser gravada. Então, me desculpe, não tive intenção de acusar de desvio de conduta contra os três", disse.

Os seguidores mais ferrenhos, certamente, não vão se importar. Talvez porque acreditem que isso faz parte da estratégia do "mito" de contornar sua condenação. Talvez porque saibam que Bolsonaro fará qualquer coisa para triunfar. Ou talvez porque Jair esteja certo e eles sejam, de fato, malucos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL