Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

General Heleno, tigrão em reunião golpista, foi meme de gatinho com Moraes

O general Augusto Heleno praticamente alegou insanidade ao torturar a língua portuguesa a fim de justificar uma das declarações mais icônicas do golpismo bolsonarista, em seu depoimento, hoje, no Supremo Tribunal Federal. Com isso, o tigrão da reunião ministerial de 5 de julho de 2022, na qual se discutiram saídas golpistas, virou um meme de gatinho.

Abraçando o direito constitucional de ficar em silêncio, que só é respeitado em um ambiente onde um golpe não prevaleceu, Heleno decidiu responder apenas às perguntas de seu advogado. Uma delas disse respeito a esta declaração dada na tal reunião ministerial de julho de 2022:

"Não vai ter segunda chamada de revisão. Não vai ter revisão do VAR. O que tiver que ser feito, vai ter que ser feito antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. Depois das eleições será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva", afirmou.

Seu defensor questionou se ele quis ser literal ou figurado. Ele respondeu a segunda opção. O que é um cinismo sem igual. Todos sabem que Heleno não estava propondo jogar longe uma mesa, feito uma cena de um faroeste de baixo orçamento. O significado figurado é o da atitude antiesportiva de alguém que, ao estar perdendo, mela o jogo para impedir a vitória do outro lado.

Para o general, suas declarações naquela reunião diziam respeito a ações para serem tomadas a fim de garantir o "sucesso das eleições", ou seja, um pleito sem tumulto. Mais cinismo: após sugerir tumultuar a eleição, ele diz agora que o objetivo era o contrário.

A reunião ministerial de 5 de julho de 2022 ficará para a História como a primeira do gênero em que um golpe de Estado é discutido de frente para as câmeras, reforçando a tênue fronteira entre a autoconfiança e a burrice no bolsonarismo.

Heleno contava, urbi et orbi, que pretendia infiltrar agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) nas campanhas de Lula e Bolsonaro. "O problema todo disso é se fazer qualquer coisa. Se houver qualquer acusação de infiltração desse elemento da Abin em qualquer um dos lados...", disse antes de ser interrompido por Jair, que pediu para o assunto ser tratado de forma privada.

O general parece não ter entendido o recado e passou a tratar de algo ainda mais sensível, a necessidade de dar um Hadouken na democracia antes das eleições. E veio a história da virada de mesa. E foi além: "Vai chegar um ponto em que não vamos poder mais falar, vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas, isso para mim é muito claro".

Para a gente também, general.

Continua após a publicidade

Claro que estamos falando de Augusto Heleno, o mesmo que mandou literalmente um "foda-se" ao Congresso Nacional em fevereiro de 2020, sugerindo a Bolsonaro que emparedasse o parlamento. Ou que alertou ao STF, em maio de 2020, que uma tentativa de apreender o celular de Bolsonaro como parte de uma investigação teria :consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional". Ou seja, alguém marinado na truculência.

Mas um caderninho com anotações golpistas encontrado em sua residência pela Polícia Federal somado ao comportamento joselito na reunião ministerial mostra que ele achava que nunca seria pego ou não se importava com isso. Psicanaliticamente, poderíamos analisar que talvez até desejasse ser flagrado com a mão na massa. Ou virando a mesa. Não por um masoquismo fardado, mas pelo prazer do reconhecimento da paternidade da criança.

Uma diferença entre os movimentos golpistas de 1964 e os de 2022/2023 é que os conspiradores fardados passaram a produzir uma quantidade absurda de provas contra si mesmos. Esperemos que também haja outra, ou seja, que os generais envolvidos sejam, agora, punidos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL