Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Bolsonaro e Heleno cometem ato falho ao dizerem que faltou clima para golpe

Transmissões de depoimentos de réus em julgamentos por golpe de Estado deveriam ter menos analistas políticos e mais psicanalistas. A presença de um Christian Dunker teria sido bem útil, nesta terça (11), quando o STF ouviu Jair Bolsonaro e generais que tentaram transformar o Estado democrático de direito em geleia.

Dentre as tantas declarações dignas de notas, como, por exemplo, aquela em que Jair chama de "malucos" quem pedia intervenção das Forças Armadas sobre o resultado das eleições em 2022, ou seja, seus próprios seguidores, o uso da ideia de "clima" teve papel importante. Tanto o ex-presidente quanto o general Augusto Heleno apontaram que não havia clima para ações golpistas.

Para se defenderem da acusação de que teriam cometido uma abominação democrática, afirmam que isso não aconteceu porque não viram oportunidade para tanto.

Após o ministro Alexandre de Moraes perguntar se o almirante Garnier, então comandante da Marinha, colocou as tropas à disposição do golpe, Bolsonaro disse: "Em hipótese alguma. Não existe isso. Se nós fossemos prosseguir em um estado de sítio e de defesa, as medidas seriam outras. Não tinha clima, não tinha oportunidade e não tinha uma base minimamente sólida para fazer qualquer coisa".

O general Heleno, por sua vez, ao ser questionado por seu próprio advogado (ele se negou a responder a perguntas de qualquer outra pessoa), a respeito de usar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que estava sob sua jurisdição como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, para produzir relatórios com informações falsas sobre urnas eletrônicas, disse: "De maneira nenhuma. Não havia clima".

O sincericídio foi tão grande que o próprio Moraes ironizou: "Não fui eu quem fez a pergunta, general. Eu quero registrar nos anais do Supremo Tribunal Federal que foi o seu advogado".

O ato falho é algo fascinante. Quando uma pessoa está mentindo por muito tempo, mais cedo ou mais tarde, é traída pelo inconsciente. Até porque manter as aparências publicamente exige muita energia, e a verdade é algo que esmaga por dentro, forçando confissões.

Como me explicou Dunker, aliás, atos falhos envolvem duas condições: a emergência de uma palavra ou expressão no discurso, seguida de uma correção ou negação do ocorrido. Para a psicanálise, isso acontece porque há uma cadeia de pensamentos, inconsciente, que se encontra suprimida e emerge revelando um fragmento da verdade que queremos suprimir a nós mesmos.

Supressão que, mais cedo ou mais tarde, se rompe e aflora e pode dizer muito sobre nós mesmos. Mas o que fazemos coletivamente com as verdades confessadas pelas autoridades diz muito sobre a psique de um povo. Jogar para baixo do tapete da anistia ou punir pelos crimes praticados contra um povo?

Continua após a publicidade

Por fim, Bolsonaro deveria banir o termo "clima" no sentido de condições para fazer algo de seu vocabulário, pois isso já o meteu em enrascadas.

Durante a campanha eleitoral, surgiu uma gravação em que o então presidente dizia que "pintou um clima" entre ele e refugiadas venezuelanas de 14 anos. Em entrevista a um podcast, ele havia afirmado que elas estavam se arrumando para "ganhar a vida", sugerindo que eram exploradas sexualmente, quando, na verdade, participavam de uma atividade de uma ONG que dava curso de estética às refugiadas.

Esse episódio foi um dos muitos que fizeram com que perdesse as eleições.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL