Lula sobreviverá à comida cara como Bolsonaro sobreviveu a 700 mil mortos?

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A um ano e quatro meses da eleição de 2026, Lula tem 28% de aprovação frente a 40% de desaprovação, segundo pesquisa Datafolha divulgada hoje (dois pontos de margem de erro). Na oposição, o coro é de que o petista está acabado. A narrativa faz parte da disputa política, mas nem eles acreditam nisso de fato. Até porque Bolsonaro ostentava, a um ano e cinco meses da eleição de 2022, 24% de aprovação e 45% de desaprovação. E acabou chegando forte e perdendo para Lula por muito pouco.
O uso da máquina do governo com gastos intensos e bondades em ano eleitoral e a velha polarização funcionam como levanta-defunto.
Com Lula, a população está frustrada diante do sentimento de promessas não cumpridas, inundada de notícias negativas, como os erros do Pix e a roubalheira no INSS (apesar de não ter começado na atual gestão, ela demorou muito para resolver a gatunagem), mas também a percepção de que as coisas se mantém caras, como a comida.
O desemprego está em baixos 6,6% e o emprego com carteira (ou seja, com direitos) é recorde, a economia cresceu cerca de 3,5% no ano passado e a alta deste ano está sendo revisada para cima, a renda dos trabalhadores subiu 3,2% em um ano. Mas o impacto de tudo isso se dilui diante da percepção de aumento no custo de vida representado pela alta dos alimentos. Caso tivesse que escolher entre um pequeno aumento no rendimento médio e deflação dos alimentos, a classe trabalhadora optaria pelo segundo.
Eventos climáticos extremos afetaram a produção nos últimos dois anos no Brasil, encarecendo a comida. Das lavouras no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, passando pela produção agropecuária no Pantanal e extrativista na Amazônia Legal até o interior de São Paulo, as secas e as chuvas elevaram preços.
O governo Lula vem fazendo questão de destacar isso, mas do ponto de vista dos consumidores, quando os alimentos sobem não importa se a culpa foi do clima, de Satanás ou do Godzilla, a responsabilidade final será do governo federal. Ou, mais especificamente, da falta de medidas em quantidade e impacto suficientes para mitigar a disparada dos preços. Aceita-se sazonalidade, o que não se admite é a comida com preço que inexoravelmente sobe.
Quem acompanha esta coluna já leu isso aqui. Há dois anos, aponto o preço do arroz e do feijão, mas também da picanha e da cerveja, como um elemento decisivo nas pretensões de Lula de se reeleger ou construir um sucessor em 2026.
O fato é que a mudança do clima pode ter para o governo Lula o mesmo impacto que teve o coronavírus no governo Bolsonaro, como disse aqui um rosário de vezes também. Não foi o ex-presidente quem criou a covid-19, mas ele lidou com ela da pior maneira possível. Mortes aconteceriam, o tamanho da tragédia é a questão.
Mas, mesmo com 700 mil mortos nas costas, Bolsonaro quase venceu a eleição, tendo 1,9 milhão de votos a menos - um peido do ponto de vista eleitoral.
Talvez se ele e seus aliados não tivessem tido comportamentos bizarros na reta final, como perseguir um eleitor de Lula armada pelas ruas, atirar em agentes da Polícia Federal, afirmar que pintou um clima com adolescentes refugiadas, fazer balbúrdia no santuário de Aparecida, a história teria sido diferente.
E se os preços estivessem mais baixos. Os alimentos ficaram 50% mais caros durante a gestão Bolsonaro, segundo o IPCA. Tanto que o ex-presidente foi alcunhado de "Bolsocaro". Para efeito de comparação, a alta dos alimentos sob Bolsonaro após 26 meses de governo era de 22,9% e sob de Lula, 10,6%, no mesmo decurso de tempo.
Não são as tragédias que definem os governantes mas o que eles fazem diante delas. Caso ache que o problema é de que as pessoas não estão suficientemente e corretamente informadas sobre o que acontecendo, acreditando que elas não sabem o preço do arroz e do feijão, da picanha e da cerveja, o governo Lula pode ter o mesmo fim que a gestão Bolsonaro.
Por enquanto, ele tem tempo. A ver o que fará com ele. E se o centrão, mais simpático a uma alternativa ao petista, vai deixar ele agir. E quanto isso vai custar.