Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonaro segue forte, mas convocar ato brochante foi erro político grave

É precipitado afirmar que Bolsonaro morreu para as ruas com a manifestação que reuniu 12 mil militantes, na avenida Paulista, neste domingo (29), para criticar o julgamento em que o "mito" pode ser condenado por tentar transformar a democracia brasileira em geleia. Mas a convocação do ato se mostrou um erro político.

Em fevereiro de 2024, Jair levou 185 mil à avenida mais famosa da capital paulista para pedir anistia a golpistas - ele incluso. Em abril deste ano, foram foram quase 45 mil. Agora, 12 mil, com a pauta voltada a críticas ao STF que o tornou réu.

É comovente ver o esforço de lideranças bolsonaristas tentando mostrar ângulos de fotos que dão a impressão de mais gente, mas os dados do Monitor do Debate Político do Cebrap e da Universidade de São Paulo junto com a ONG More in Common, contam os presentes a partir de fotos aéreas analisadas com software de inteligência artificial. Do lado da USP, ciência, do lado de lá, narrativa.

Contudo, antes de traçar uma reta de tendência em direção ao ocaso, vale analisar o contexto. Primeiro: era dia de oitavas de final da Copa do Mundo de Clubes, com o Flamengo enfrentando o Bayern de Munique. Segundo: estamos em período de férias escolares e o domingo estava ensolarado. Terceiro: não há nenhum grande fato novo que empurrasse a militância para as ruas (em fevereiro de 2024, era o primeiro grande momento em que aliados de Jair convocaram a extrema direita para defender os golpistas presos e contra o STF, havia uma demanda represada).

Quarto: o bolsonarista-raiz médio está desencantado e empapuçado com a pauta da anistia, uma vez que ela não avançou no Congresso. Não à toa, quem convocou o ato deste domingo virou seus canhões ao julgamento no STF. Se ainda fosse uma manifestação contra Lula e o PT, alavancada por algum escândalo, poderia ter levado mais gente. Mas não foi.

Quinto: a convocação nas redes bolsonaristas foi bem menos intensa do que em outras vezes, o que também fez diferença.

Com isso, o ato chegou perto da última manifestação convocada por movimentos sociais de esquerda em São Paulo. Criticando a anistia, defendendo a prisão de Jair Bolsonaro e em memória dos 61 anos do golpe militar de 31 de março de 1964, ela reuniu 6.600 pessoas, no dia 30 de março, na avenida Paulista. O número também é do Monitor do Debate Político. Neste momento, nenhum dos grupos não pode dizer que tem a primazia da rua.

É cedo para falar que o bolsonarismo perdeu a capacidade de mobilização, pois eles ainda levam mais gente que a esquerda às ruas. Um bom termômetro para analisar essa capacidade será a manifestação a ser convocada entre o momento em que a condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, dissolução violenta do Estado democrático de direito e organização criminosa for anunciada pela Primeira Turma do STF e uma ordem de prisão contra ele for decretada.

Mas, do ponto de vista político, a convocação de uma manifestação nesse contexto e sem um grande fato novo foi um erro.

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Para quem vive o dia a dia da política, sabe que Bolsonaro continua sendo a principal liderança da direita, mesmo inelegível e quase preso. Mas um evento esvaziado, ainda mais depois de atos esvaziados em Brasília (4.000) e no Rio (18,3 mil) passam a mensagem de enfraquecimento no parlamento e entre políticos.

Ele não precisa disso para animar a militância, que fica muito mais excitada com a possibilidade de punição ao ministro Alexandre de Moraes pelo governo Donald Trump.

Com a impressão de esvaziamento, que agora os bolsonaristas lutam para refutar, a rua deixa de funcionar como aríete para forçar políticos tanto a discutir a anistia quanto se calar quando Jair diz que será ele quem vai decidir o candidato da direita e passa a ser um calcanhar de Aquiles, deixando deputados e senadores tranquilos em ignorar a impopular pauta do perdão a criminosos e a reclamar publicamente que o ex-presidente está atrapalhando a construção de um candidato de oposição.

Certos estavam a diretora do PL Mulher Michelle Bolsonaro e o deputado federal Nikolas Ferreira que foram a outros compromissos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL