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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brigadas e milícias digitais testam a paciência e a democracia

xijian/Getty Images
Imagem: xijian/Getty Images

Colunista do UOL

20/06/2022 04h00

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A campanha presidencial não começou oficialmente. Nas redes sociais, no entanto, uma verdadeira jihad em defesa de ídolos políticos ocorre há anos de forma ininterrupta.

Alguns ainda têm a ilusão de que isso significa mais possibilidades de participação do cidadão comum e melhoria da consciência política. Confesso que já acreditei na tese até entender como funcionam as redes e seus algoritmos.

O usuário tem a ilusão de que posta o que quiser e isso será visto por seus seguidores. Ele, por sua vez, escolhe quem segue e essa escolha é determinante para o que verá. Ocorre que o negócio das plataformas é essa mediação de conteúdo, escolher quem vê o que você posta e quais postagens você vê.

O critério, grosso modo, é o que faz o usuário permanecer mais tempo conectado e interagir mais. Postagens feitas sob medida para causar indignação, ódio e promover ataques como se fossem uma competição esportiva são muito efetivas.

Nas redes, o debate político acaba reduzido a essa dinâmica que elimina nuances e premia a beligerância e o pensamento coletivista. O mundo político ainda se adapta a essa realidade, que deságua na imprensa.

A popularização das redes sociais fundiu os relacionamentos com o consumo de notícias. Elas surgem para que as pessoas se encontrem e estejam em contato. Hoje, uma das principais formas de relacionamento virtual é compartilhar notícias que não serão lidas.

Hoje, 86% dos brasileiros usam celulares pré-pagos, segundo o levantamento Global Pre-Paid Index (GPI), realizado pela consultoria Ding. Entre a minoria que usa pós-pagos, grande parte tem planos básicos. Isso aumenta a força das redes sociais como fontes de informação.

Existem diversos acordos comerciais para que as pessoas acessem Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegram e Twitter sem gastar seu pacote de dados. Muitos verão as chamadas ou prints das notícias e não terão créditos para pesquisar a fonte original.

É nessa dinâmica que se estabelecem as brigadas ou milícias virtuais. Uma mesma notícia pode ganhar significados opostos, já que a pessoa vai ler apenas a manchete e o comentário sobre ela nas redes sociais.

O fenômeno do bolsonarismo é fortemente ancorado nessas demonstrações de lealdade ao líder. Os produtores de conteúdo são tão importantes politicamente que agora se cogita até perdão oficial para os alvos do Poder Judiciário.

Em março, a Central Única dos Trabalhadores anunciou que lançaria um projeto de "brigadas digitais". Ele já conta com uma cartilha e foi recentemente elogiado pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann em evento com a presença do ex-presidente Lula.

A participação sindical na campanha, vedada pelo Código Eleitoral, ainda vai render muito.

À parte disso, a noção de que os grupos virtuais são brigadas ou milícias é especialmente problemática para a democracia. Não é uma ideia política, em que o convencimento está no centro do debate.

É um processo antipolítico em que qualquer discordância ou questionamento torna o indivíduo alvo preferencial de um grupo energizado por ataques em enxame. A lógica de multidão é um dos algozes da democracia, já que aniquila os minoritários.

Desde a campanha vitoriosa de Barack Obama em 2008, fortemente apoiada por ações em redes sociais, políticos do mundo todo acreditaram ter descoberto um instrumento de condução do debate público. Hoje são reféns das Big Techs.

Quem não faz toma, diz a máxima futebolística. É precisamente disso que se trata. Já são raros os casos em que políticos podem ter o luxo de fazer campanha fora da dinâmica estabelecida pelas redes sociais.

A 11a edição do Relatório de Mídia Digital do Instituto Reuters mostra este ano que 54% dos brasileiros evitam consumir notícias "depressivas" como inflação, guerras e Covid-19. É com essa mentalidade que iremos às urnas.

Já se esgotou completamente a paciência do cidadão com tudo o que traz sensações negativas. Por outro lado, é justamente nessas sensações que apostam os exércitos digitais das candidaturas majoritárias.

Nessa matemática, resta saber qual será o resultado para a democracia, que só pode ser construída a partir da realidade.