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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro é uma vitamina de dissonância cognitiva e falta de empatia

Em ato de campanha em 2018, Bolsonaro defendeu fuzilar a "petralhada" - Reprodução / Youtube
Em ato de campanha em 2018, Bolsonaro defendeu fuzilar a 'petralhada' Imagem: Reprodução / Youtube

Colunista do UOL

13/07/2022 04h00

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Virou moda posar de conhecedor de política dizendo algo como "desde que um deputado homenageou um torturador no impeachment" descemos a ladeira.

São novatos da ala política, que têm como primeira referência do discurso bolsonarista algo bem recente, a homenagem feita ao torturador Brilhante Ustra durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff.

Traçar o marco temporal dessa forma é cômodo, já que requer pouca pesquisa, e também pode trazer um alívio psicológico a quem gosta de acreditar que "está do lado certo da história".

Se o ponto de alarme for este, basta colocar num mesmo balaio todos os que foram favoráveis ao impeachment e colocar sobre eles o carimbo de fascistas. Quem era contra o impeachment, portanto, sempre teve comportamento exemplar e nada tem a ver com este estado de coisas.

É o ápice do luxo psicológico acreditar que, mesmo fazendo parte de uma sociedade que esgarçou completamente seu tecido social, nada fizemos de errado. Estávamos certos, fomos incompreendidos e somente por isso chegamos onde estamos.

Trago aqui o clichê da metáfora do acidente de avião. Não há avião que caia por um único erro de uma única pessoa. É necessária uma sequência impressionante de erros em ação e omissão para que o produto seja uma tragédia dessa magnitude.

O estado de violência política que vivemos agora foi forjado por uma sequência impressionante de ações e omissões que data de décadas.

Um dos fatos que mais me marcou foi o posicionamento do então deputado Jair Bolsonaro na sessão de cassação do deputado Talvane Albuquerque, condenado a 103 anos de prisão pelo assassinato da deputada eleita Ceci Cunha, do PSDB.

Houve uma chacina na festa de diplomação que ela organizava na casa do cunhado, em Maceió, no ano de 1998. Com a morte dela, que era cotada até para vice-governadora, o suplente Talvane Albuquerque assumiu o mandato.

O deputado se relacionava com o executor, um assassino de aluguel que atendia pela alcunha de Chapéu de Couro. Inclusive ajudava financeiramente a família dele.

Na sessão de cassação nem o próprio deputado se defendeu. O advogado dele não foi à tribuna fazer defesa, apresentou por escrito. O único a se pronunciar a favor de Talvane Albuquerque, ressalvando que nem o conhecia direito, foi Jair Bolsonaro.

"Sr. Presidente, é mais do que uma cassação de mandato. Praticamente estamos condenando o deputado Talvane Albuquerque por ser o mentor ou autor do assassinato de uma companheira - e não concordo com o assassinato de ninguém nesta casa; estamos condenando sua Excelência por ter tido contato com um cidadão, um elemento que foi marginal no passado e que, pelo que me consta, tinha livre trânsito pelo Brasil. Mas quem aqui nunca teve contato ou conversou com um marginal?", argumentou o então deputado e atual presidente da República.

Dizia isso ao mesmo tempo em que continuava sustentando um discurso punitivista extremo, segundo o qual "bandido bom é bandido morto". Como combinar as duas ideias? Com dissonância cognitiva e falta de empatia.

Por uma série de outras circunstâncias, Jair Bolsonaro deixou de ser alguém caricato e ridicularizado para ser o líder de uma força política capaz de fazer um presidente da República.

Diante do assassinato de um integrante do PT por um fanático bolsonarista, repete a fórmula da dissonância cognitiva.

Em um momento, diz que não aceita de forma alguma apoio de pessoas violentas, declara que elas devem ir para a esquerda, onde estaria toda a violência política.

Logo em seguida, desperdiça a oportunidade de mostrar empatia com a vítima e sua família para desqualificar apenas as agressões ao assassino e o posicionamento da imprensa.

É um método de discurso, não uma característica de Jair Bolsonaro. Hoje, ele é uma força hegemônica e suas palavras têm consequências práticas que nem ele consegue controlar.

O fato é que esse método, quando utilizado por uma figura com poder constituído, acaba normalizado e banalizado. O poder de discurso de Jair Bolsonaro de 2022 ofusca aqueles que são semelhantes a ele no passado.

Eles estão por aí, crescendo no seio da política. Resta saber se aprendemos com a experiência ou se estamos preparando mais um banquete de consequências.