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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O comício de Michelle Bolsonaro e a pregação de Marina Silva

Colunista do UOL

08/08/2022 14h18

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Michelle Bolsonaro não fez uma pregação neste final de semana na Igreja Batista da Lagoinha. Ali foi um comício. Aliás, foi exatamente o mesmo conteúdo religioso do lançamento da candidatura do marido. Um culto exigiria mais profundidade teológica ou pelo menos falar de Jesus, o que não ocorreu.

No meio evangélico, a maioria das reações é do mais puro incômodo. A maior birra desse segmento com os católicos é pela idolatria, idolatramos imagens sagradas. Existe uma sensação da substituição de Jesus por Bolsonaro no evento.

Uma coisa é falar de Deus num evento político. A outra é falar de um político como enviado de Deus no altar da igreja durante o culto, ainda mais o de domingo. Mas, mesmo diante desse incômodo, o efeito Michelle é muito positivo para Jair Bolsonaro.

Como as reações da elite progressista a ela são muito ignorantes e preconceituosas, gera identificação pessoal com o público evangélico. O estranhamento com o vocabulário evangélico e a salada de erros sobre práticas e denominações escancaram a distância e falta de familiaridade.

A surpresa com a fala articulada e a capacidade de raciocínio de Michelle faz parte do estigma que se coloca sobre evangélicos, vistos como intelectualmente inferiores e massa de manobra. Mesmo os mais progressistas se reconhecem na sopa de preconceito fantasiada de análise.

Expressões como fanática, louca, talibã cristão e Gilead são pontos a favor de Michelle, mostrando o que parte dos analistas e militantes pensa sobre a fé, algo importante para a maioria dos brasileiros. O discurso de "cristofobia" está a um passo da ressurreição.

Não tenho medo de errar ao dizer que, neste mesmo final de semana, centenas de políticos religiosos pregaram em seus templos. Por que a pregação de Michelle Bolsonaro é a única que mobilizou tanto?

Porque não foi um evento religioso, foi um evento político. A maioria das presenças de políticos em igrejas é religiosa. Ninguém deixa de ir à igreja porque abraçou a vida política.

Você tem alguma dúvida de que o Cabo Daciolo foi ao culto de domingo? Será que Geraldo Alckmin e dona Lu andam perdendo missa? Claro que não.

Ocorre que, em celebrações dominicais cristãs se fala de Jesus Cristo. Em momento nenhum Ele aparece no discurso da primeira-dama, feito sob medida para a imprensa e entregue com maestria.

Ela repete os principais pontos da lógica de poder do Velho Testamento, como fez no evento do PL: toda autoridade na Terra é instituída por Deus, devemos orar por nossos governantes e a luta contra principados e potestades (demônios) como a principal do povo de Deus.

E onde fica Jesus nesse discurso? Coincidentemente, horas antes da participação política de Michelle Bolsonaro num culto, Marina Silva fez uma participação religiosa num culto em São Paulo.

"É a palavra de Deus que vai cumprir o propósito para o qual ela foi enviada, não vou ser eu. Todas as pessoas que querem que alguém viva de acordo com a lei humana criando um governo teocrático, fazendo leis para dizer que as pessoas vão viver assim ou assado, sabe o que elas estão fazendo? Elas estão revogando o sacrifício de Jesus.", pregou Marina Silva.

Ela lembrou que Jesus poderia ter negociado leis com os poderosos da época, mas não o fez. A natureza do sagrado é maior, mais poderosa e transformadora do que leis e homens, essa é a lógica cristã.

Foi a primeira de quatro pregações comemorativas dos seis anos da pequena Comunidade Cristã da Zona Leste. Apresentada como "irmã de fé", falou sobre Jesus durante uma hora, numa pregação que foi do Gênesis ao Apocalipse e ainda teve citação de Hannah Arendt.

A igreja proíbe que seus religiosos recomendem votos, orientem sobre eleição e também que o altar seja usado para qualquer coisa além da proclamação do Evangelho.

É o que faz a maioria das igrejas, já que há fiéis de todo tipo de ideologia política e muitos mudam de identificação partidária ao longo da vida.

Quando um altar sagrado é usado para falar de política, não se chama culto nem missa, chama comício.