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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil está entre a caricatura da direita e a esquerda que a direita gosta

Lula Bolsonaro TSE - Lula e Bolsonaro
Lula Bolsonaro TSE Imagem: Lula e Bolsonaro

Colunista do UOL

08/09/2022 13h52

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Antes de começar a coluna em si, cumpre esclarecer quem inventou os adjetivos. Faço para evitar que paquitas de político percam tempo xingando a pessoa errada por ter criticado seu populista irretocável.

Caricatura da direita vem da minha boca, embora não seja de minha autoria. Circula por aí. É a turma que se diz conservadora fazendo o avesso do que pregam e pregaram todos os teóricos do conservadorismo.

Dizem defender o liberalismo enquanto praticam estatismo e capitalismo de compadrio. Juntam-se aos fiéis seguidores do Evangelho Segundo Quentin Tarantino, o único em que Jesus é pistoleiro. Defendem a família formando várias.

Pregam abertamente o fim do sistema de freios e contrapesos entre os Três Poderes, a sobreposição da vontade dos seus à dos demais e tudo quanto é teoria autoritária que julgávamos repousar no lixo da história.

Já o termo "a esquerda que a direita gosta" não vem de mim, é da autoria de Darcy Ribeiro. Leonel Brizola fez, em 27 de fevereiro de 1994, um artigo na Folha de S. Paulo sobre o PT intitulado "Como a
Direita Gosta".

Passeava pelas origens trabalhadoras do PT, lembrando que o partido pretendia cortar a história com uma tesoura para que ela fosse recontada dando a ele o posto de primeiro grande defensor dos trabalhadores.

As greves do ABC onde Lula despontou vieram 10 anos depois das greves de Osasco, do ferroviário José Ibrahim, fundador do PT e da CUT, que enfrentou a linha dura da ditadura militar de 1968.

É um herói sindical que posteriormente se meteu em movimentos guerrilheiros. Abandonou o PT em 1990. Na última entrevista que deu em 2013 antes de morrer, a um portal de esquerda, explicou: "Eu disse ao Lula e ao Zé Dirceu: 'Vocês não me deixam filiar trabalhadores que estão à esquerda de vocês. Assim, é melhor eu ir embora'". E foi.

Na década de 1990, os grandes nomes da esquerda nem consideravam mais o PT como esquerda. Alegavam que se agachava demais aos interesses da elite nacional, que pretendia manter a ordem econômica intacta.

"As cúpulas dirigentes do PT são formadas por uma espécie de pequena burguesia radicalizada. Daí vem seu grande apoio nos bairros de alto padrão das grandes cidades", dizia Leonel Brizola.

O processo jamais foi revertido, muito pelo contrário. Acabou aprofundado também na militância, o que promoveu um distanciamento do povo.

Em 2018, o rapper Mano Brown, que apoia o PT, aconselhou publicamente o partido a voltar às bases. Disse que o contato com o povo estava se rompendo e não era possível tratar todo evangélico brasileiro como se fosse um clone de Silas Malafaia.

O parque de areia antialérgica jamais iria se misturar com povo. Não se misturou e acelerou nas pautas progressistas que não são aceitas pela maioria da população.

Sobrou pauta sem representante. A direita caricata e autoritária assumiu todas elas sem dificuldade, inclusive negando o que pregava.

Jair Bolsonaro espertamente diz que é contra o aborto, a liberação das drogas e a ideologia de gênero. Alega ser a favor dos valores cristãos e da família.

Essas não são pautas nem de direita nem de esquerda. Há representantes das duas vertentes políticas no mundo todo que se posicionam de formas diferentes sobre esses temas.

Aqui no Brasil, para a esquerda que a direita gosta, é obrigatório ser a favor do aborto, da liberação das drogas, dizer que ideologia de gênero é coisa de doido, tirar sarro de cristão e falar que a família não presta.

E quanto à estrutura econômica e um projeto de Brasil? Não vamos incomodar o Leblon e a Vila Madalena com essas bobagens de pobre.

Cada vez que Jair Bolsonaro provoca, consegue um recibo do progressismo gourmet. Com essa ajuda e mais o uso indecente da máquina pública a seu favor, já ultrapassa Lula em São Paulo.

Muitos de nós querem acreditar que fazem parte de uma guerra do bem contra o mal. Cada um têm a mais firme convicção de ser o lado do bem.

Infelizmente, estamos entre ruim e pior, entre pretensão de hegemonia e autoritarismo. Abrimos mão da política para nos agarrar a pais da pátria. Acabaremos tendo de decidir entre uma caricatura autoritária da direita e a esquerda que a direita gosta.