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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Apoio de Marina é golaço de Lula e libera esculacho de mulheres na política

Colunista do UOL

12/09/2022 13h14

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Não há nada melhor que pudesse ocorrer à candidatura de Lula do que o apoio de Marina Silva. Declaradamente faz um contraponto moral à candidatura de Jair Bolsonaro.

O paradoxo está na forma, endossando um dos instrumentos mais potentes do engajamento bolsonarista, a agressiva máquina de Fake News contra mulheres divergentes.

Não questiono o apoio de Marina Silva a Lula, é a escolha mais natural para ela. Não apoiaria Jair Bolsonaro. Também seria muito difícil que embarcasse na campanha de Ciro Gomes, cujo marketeiro é João Santana, o artífice do assassinato de reputação que sofreu nas campanhas do PT.

O ataque a mulheres que fazem a mais mínima crítica a Lula já começou. O Gabinete do Amor Exigente está no mesmo chiqueiro moral do Gabinete do Ódio, com a diferença de ainda não ter se entranhado na estrutura de poder.

O reencontro de Lula e Marina Silva seria uma oportunidade de ouro para impedir que a militância lulista descambasse para a mesma misoginia da bolsonarista. Foi completamente perdida.

Foi constrangedor e absolutamente eloquente o silêncio sobre as campanhas sujas e misóginas de Fake News que o PT fez contra Marina Silva nas duas últimas eleições.

E foi Fake News a hora em que Lula disse, na frente de Marina Silva, que foi conhecer esse tipo de prática só com o bolsonarismo. Não entendi a razão da opção pelo cinismo. Jogar pedra na Geni é o esporte mais democrático da política mundial.

Lula tinha a saída honrosa perfeita para acolher Marina Silva e, ao mesmo tempo, colocar um freio nos radicais luloafetivos que já começam a repetir o que fizeram no verão passado.

Ele não participou formalmente das duas campanhas que espalharam Fake News contra Marina. Poderia dizer, sem medo de ser feliz, que jamais permitiu ou permitiria nada do tipo. E principalmente contra uma mulher, mãe, avó.

Não disse porque não quis e porque não precisa. A prioridade, disseram, é assegurar a democracia. Infelizmente, entendemos por democracia um regime em que a dignidade da mulher não é prioridade e o ataque misógino é um ativo político importante demais.

Hoje, o que foi feito contra Marina Silva é crime previsto na Lei da Violência Política de Gênero. Há os que não se lembram porque a memória, quando se trata do discurso de ódio do bem, parece ser curta.

Numa palestra sobre desinformação em 2018, o ministro Luiz Fux comentou a peça que considerou mais problemática sobre o tema, uma propaganda de televisão de Dilma Rousseff.

O filme dizia que Marina seria a favor da independência do Banco Central. A ideia era de que ela faria acordos para favorecer os banqueiros e isso tiraria a comida do prato do trabalhador.

"Havia um vídeo com as famílias sentadas se alimentando e aí menciona-se o nome da candidata e aparece uma cena segmentada com os pratos da refeição sendo retirados sem que elas pudessem recuperar. (..) É uma propaganda que derreteu em menos de uma semana uma candidatura. Acabou com a candidatura, que era considerada exitosa", disse Luiz Fux.

Estamos falando da propaganda oficial da TV, não dos blogueiros amigos e grupos de WhatsApp. Neles, circulavam pérolas como: "Marina é a mãe do fascismo brasileiro", "a síndrome de Judas", "a canastrice de Marina Silva e o DNA hollywoodiano", "Marina Silva, descanse em paz", "o desastre anunciado", "fadinha foi dos seringueiros para os banqueiros", "Marina é o Collor de saias" e por aí vai.

No país em que se normalizam os relacionamentos abusivos, vemos muita gente aplaudir a grandiosidade de Marina Silva ao voltar para os braços do PT sem dar um pio sobre o ocorrido e sem exigir mudança de comportamento.

Muita gente aplaude a grandiosidade da mulher que salva o casamento abusivo em nome dos filhos. Gente que ama mulher submissa não vê outra possibilidade para a paz social além da submissão feliz.

Existe e, neste caso político, foi tristemente desperdiçada. Lula é um ídolo populista, nunca esperei que pedisse desculpas. Aliás, por ser infalível, isso nem seria possível.

Mas este era o momento para que ele falasse abertamente com sua militância sobre a necessidade de parar com ataques virulentos, Fake News e misoginia, que isso iguala ao bolsonarismo em vez de combater. Infelizmente, o discurso de ódio só é enfrentado pela esquerda se vier da direita.

Somos o país do "estupra mas não mata", dignidade da mulher não é prioridade e sempre vai ter uma desculpa para a mulher ser grandiosa ao aceitar esculacho.

Não há força como a da ideia cujo tempo chegou. Por aqui, ainda não é hora da ideia de mulheres tratadas como seres humanos.