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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Esquerda não perdoa Frota mas aprova olavismo de Janones com "raça maldita"

O deputado federal André Janones (Avante-MG) mostra seu celular para Lula - Reprodução/Twitter/André Janones
O deputado federal André Janones (Avante-MG) mostra seu celular para Lula Imagem: Reprodução/Twitter/André Janones

Colunista do UOL

28/11/2022 11h11

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Com a desculpa de defender Gilberto Gil, o deputado André Janones repetiu exatamente o mesmo comportamento dos discípulos mais violentos de Olavo de Carvalho. Eles também se utilizavam da justificativa moral de um ataque prévio.

"Nem dormi direito depois da cena do bolsonarista atacando o
@gilbertogil A justiça sozinha não vai dar conta. Se a gente não enfrentar essa raça maldita nas ruas, nos impondo, eles não vão parar. As gerações passadas fizeram a parte deles contra esses vermes, agora é nossa vez!", tuitou o deputado eleito e integrante do time de comunicação da transição.

Eu não lembro direito qual é a ideologia política que costuma chamar de "raça maldita" seus desafetos políticos e equiparar seres humanos a "vermes" ou outros animais. Em outro Tweet, o deputado se referiu a adversários políticos como "lixos humanos".

A linguagem do deputado é a mesma que ele sempre utilizou. Era do mesmo time de estrelas políticas das redes sociais como Nikolas Ferreira e Gabriel Monteiro. Os três sempre interagiram com frequência, utilizando a mesma linguagem e os mesmos métodos, agora importados para o petismo.

Até então, o deputado fazia voo solo. Ocorre que Lula resolveu colocar André Janones na equipe de transição. Quando o ele abre a boca, fala também em nome dessa equipe. Precisa ficar claro se essa equipe acredita na Justiça ou não, se julga que ela é ineficiente e deve ser complementada por enfrentamento nas ruas.

Também precisa ficar claro se o governo Lula é adepto da ideologia política que classifica como "raça maldita" seus adversários políticos. Mais que isso, é necessário saber quem seria a tal "raça maldita". Seriam todos os milhões de eleitores de Jair Bolsonaro? Só os fanáticos? Quem define?

Em 2006, uma única vez, o então senador do PFL Jorge Bornhausen se referiu ao PT como uma "raça". Disse que estaríamos "livres dessa raça nos próximos 30 anos" ao comentar o desempenho eleitoral do partido. Fora o carnaval na imprensa pelo que foi visto como uma declaração de guerra, o PT abriu queixa-crime e classificou como discurso de ódio.

O próprio PT julga que é discurso de ódio chamar adversários políticos de "raça". "Raça maldita" então, não sei nem como o PT classifica. O fato é que resolveu deixar que Janones faça repetidas vezes. A cada passada de pano, o deputado dobra a aposta.

Agora, além disso, fez outra prática olavista, a de divulgar o endereço da pessoa que agrediu Gilberto Gil na mesma sequência de postagens em que incita enfrentamento nas ruas. E, também copiando os olavistas, cobrou posicionamento das empresas com as quais o indivíduo mantém negócios.

Se já era problemático Olavo de Carvalho fazer isso diretamente de seu retiro espiritual e social na Virgínia, imagine um deputado eleito que faz parte da equipe de transição. Uma autoridade pública pode fazer isso? Talvez sim. A transição endossa? O silêncio é mais que eloquente.

Chega a ser patético o contorcionismo intelectual daqueles que estão tentando justificar porque defenestraram Alexandre Frota da equipe de transição. São os mesmos que aceitam com prazer André Janones, que andou com gente bem mais problemática e foi antipetista até outro dia. Aliás, Frota largou o embate bem antes de Janones.

Aqui não falamos de política, de moral, de virtude nem de fatos. Falamos de psicologia de massas, formação de grupos e justificativas morais para tratar mal as outras pessoas sem sofrer consequências.

Os bolsonaristas justificam tudo com a facada. Juram que só se defendem, estão numa luta pela pátria e contra o sistema. Nem Deus sabe o que isso tem a ver com assediar no Qatar um patrimônio cultural brasileiro como Gilberto Gil.

André Janones proporciona a mesma experiência ao grupo lulista. Eles podem agir exatamente como os bolsonaristas, mas dizer que estão só se defendendo em nome do amor e da democracia. Por isso foi imediatamente absolvido e considerado imprescindível. Ao contrário de Frota, ele legitima os instintos mais primitivos do grupo.