Preparados para Mauro Cid como os atrasados para o ENEM
Difícil entender o que exatamente os parlamentares esperavam tirar do depoimento de Mauro Cid à CPI dos atos de 8/1. A julgar pelas perguntas, eram cortes de vídeos com perguntas lacradoras para as redes sociais, mas seria maldoso e precipitado dizer tal coisa. Nossos congressistas jamais fariam isso, ainda mais quando a população esperava respostas.
Foi um depoimento árido, como se esperava. Ele é réu em diversas ações e vai se manter calado sobre todas elas, como garante a lei e garantiu a ministra Cármen Lúcia do STF.
Toda a análise acabou ficando em torno do uso da farda e do silêncio, sobre o qual há quem pretenda inferir culpa. Funciona para declarações políticas e para o imaginário, não para as investigações, que precisam provar suspeitas.
Foi criada uma polêmica gigantesca em torno de questões óbvias que o ajudante de ordens de Bolsonaro não respondeu. Estranhamente, a mais falada pelos parlamentares foi a negativa de responder a própria idade. Já há a intenção de reclamar ao STF que ele calou até sobre isso.
Pode fazer sentido. Ele não tinha direito de calar sobre o que não tivesse potencial de incriminar. Difícil é entender qual diferença faria ele responder a própria idade, dado que é público e de fácil acesso para os senadores.
Fosse uma daquelas séries em que se submete alguém ao polígrafo, faria muito sentido. Questões objetivas de fácil checagem servem para calibrar a máquina no início e depois medir a verdade das respostas às perguntas mais candentes. Ocorre que ele não estava num polígrafo e a resposta não teria nenhuma utilidade para a CPI, a não ser provar a má vontade característica dos réus.
Lembra uma pergunta feita duas semanas atrás ao coronel Lawand na mesma CPI: "coronel, por gentileza, qual sua patente no Exército brasileiro?". Ele respondeu coronel, arrancando gargalhadas do plenário.
O mais surpreendente é que as perguntas não respondidas mais, digamos, perigosas foram feitas pelo bolsonarista Alexandre Ramagem, que antes de deputado foi o chefe da ABIN de Jair Bolsonaro. Isso significa que os atuais governistas e opositores do ex-presidente poderiam ter se preparado mais.
As perguntas feitas pelo deputado do PL, segundo levantamento feito pela reportagem do UOL, foram as seguintes:
- Se Cid, como ajudante de ordens, participava de reuniões em que se tomavam decisões de governo.
- Se Cid tinha algum poder de decisão na gestão de Bolsonaro.
- Qual foi a última missão de Bolsonaro a Cid.
São perguntas que, caso respondidas, realmente poderiam contribuir com o assunto investigado pela CPI ao inquirir o coronel. Elas são todas diretamente relacionadas a ações não apenas dele, mas também do ex-presidente Bolsonaro nos atos de 8/1. Calar não significa culpa, mas deixa no ar a ideia de que o assunto é delicado.
Também houve perguntas pertinentes não respondidas aos deputados Rafael Brito, Jandira Feghali e Laura Carneiro:
- Quem seria nomeado como interventor para suposta tomada de poder.
- Se Cid repassou a Bolsonaro as mensgens que recebeu de outros militares, pedindo providências contra o resultado das eleições.
- Se o plano dele e de outros envolvidos era anular o resultado das eleições.
- O que o ex-militar Ailton Barros quis dizer ao pedir a Cid, por mensagem, que pressionasse o general Freire Gomes para "que faça o que tem que fazer".
A maior parte do longo depoimento, no entanto, foi tomada por temas que não tinham nenhuma relação com o objeto da investigação. Brigas e performances parlamentares dominaram a cena, como se espera de uma CPI cujo tema não domina mais o noticiário.
Mas também houve desvios eternos para temas como o cartão de vacina de Bolsonaro, os pagamentos em dinheiro das despesas da família do ex-presidente e até a autoria do assassinato de Marielle e o código de ética militar do Brasil.
Imaginei se fossem estudantes em vez de parlamentares. Qual grupo seriam? Talvez fossem os que ficam de recuperação ou repetem de ano. Talvez tenham uma preparação tão cuidadosa quanto os famosos atrasados do ENEM. Nossa esperança é que a maioria desses se prepara melhor no básico para a próxima oportunidade.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.